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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Dona Rosália




Dona Rosália não faltava à missa. Rigorosamente, todos os domingos,
lá estava aquela simples senhora sentada diante do altar, olhos fechados, 
mãos postas, concentrada em suas orações

Habito também era assistir ao telejornal das oito, e ao ouvir o discurso
do Papa, onde este afirmava que a homossexualidade poderia condenar
a humanidade a extinção, ela, movida por um profundo respeito pela
figura daquele santo homem, balançou a cabeça em concordância

Cinco eram seus filhos - Egídio, o mais velho, Josias, Marieta, Eucádia
e Antônia
Com a morte do pai, Egídio passou a ser, ainda na adolescência, o 
responsável por parte do sustento da família, pois a pensão de sua mãe
apenas, não era suficiente

Trabalhava em um pequeno mercadinho da cidade, era bem quisto por
todos, e não dispensava as horas extras para ter um dinheiro a mais
no fim do mês

Egídio, era o orgulho de dona Rosália, filho educado, trabalhador, e que
a ajudava na tarefa de cuidar dos irmãos mais novos

Ao terminar os estudos, como muitos outros jovens, queria ampliar 
seus horizontes
Foi então que resolveu partir para a cidade grande.
Prestou vestibular e entrou, com mérito, no curso de Pedagogia -
tinha o sonho de ser professor

Entristecida ficou dona Rosália, mas sabia que seu filho partia em 
busca de uma vida melhor - e qual mãe não deseja o melhor para 
seu filho ?

Tão logo se estabeleceu na nova cidade e conseguiu emprego, Egídio
começou a enviar dinheiro para a mãe. Era pouco, mas absolutamente 
necessário
Com o passar do tempo, a saudade aumentava, e só não era maior,
por conta dos telefonemas dos fins de semana, e as visitas de final
de ano

Alguns anos mais tarde, Egídio, já formado, liga para dona Rosália pra
lhe falar sobre a boa nova - finalmente conseguira o sonhado emprego
de professor
Porém, apesar da alegria, percebeu na voz da mãe, um tom diferente.
Pergunta então se aconteceu algo - já imaginando que pudesse ser
com um de seus irmãos
Dona Rosália disse que precisavam conversar, pois ficou sabendo 
de algumas coisas que andavam acontecendo com ele

Egídio, imediatamente, se lembrou da visita surpresa que lhe havia
feito um primo, e na hora matou a charada - tal primo contou para
sua tia que, por sua vez, contou para dona Rosália que, ele, Egídio,
estava namorando com um rapaz

E agora, como encarar a mãe, esta senhora tão alicerçada em rígidos
valores morais, tão religiosa - e tão orgulhosa do filho ?
Seria esta uma revelação que poderia causar enorme sofrimento à 
ambos

Certo do teor do assunto, disse a mãe que seria melhor conversarem 
pessoalmente, já que no próximo mês, lhe faria mais uma de suas visitas

Mas Egídio não apareceu, alegando falta de tempo, evitou ficar frente 
a frente com dona Rosália. Precisava de mais tempo, mais coragem ...
E quem sabe com o passar do tempo, a mãe não ia se acostumando mais com a idéia

E assim, foram os dias, as semanas, os meses ...

Os telefonemas não eram mais como antes, evitavam tocar no assunto,
porém, algo sempre ficava no ar - um certo nó na garganta

Egídio sentia falta das conversas que tinha com a mãe, da cumplicidade que 
existia entre dois, e isto lhe causara enorme angústia

Então, eis que decidiu ir ao seu encontro ... queria de uma vez por 
todas resolver aquela situação, mesmo que ouvisse de dona Rosália
o quão decepcionada estaria com ele

De malas prontas, lá foi ele ... e durante as horas de viagem, ficava
imaginando as reações de sua mãe quando o visse
Ficava buscando palavras que fossem as mais amenas e conciliadoras
possíveis
E quanto mais próxima a chegada, maior era a ansiedade
Conseguiria, afinal, olhar nos olhos de sua mãe ?

Pois, bem, diante da porta, depois de um vacilo inicial, tocou a campainha, 
e ali ficou, parado, durante uma eternidade de segundos ...

Finalmente, a maçaneta começa a girar, e quando a porta se abre,
aparece a figura daquela mulher - frágil, um metro e quarenta e cinco 
de altura, lenço amarrado na cabeça - tão magra, tão pequena - tão mãe

Olharam-se por alguns instantes, como se procurassem palavras ...

Foi quando dona Rosália, com aqueles olhos imensos e castanhos, 
cheios d'água, deu-lhe um apertado e demorado abraço, dizendo-lhe
baixinho ao pé do ouvido;

- Seja feliz, meu filho ...
E que Deus o abençoe 





"Bom seria se o Papa e sua Santa Igreja, aprendessem mais sobre
tolerância, respeito e, principalmente, amor, com a dona Rosália


Marcelo Roque

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