Páginas

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

JAGUNÇOS E INQUISIDORES; FAXINA RACIAL



Jagunços e Inquisidores Paulistas: Faxina Racial sem Trégua
Um comentário sobre o Crime Jurídico contra Michel Silveira



Carlos A. Lungarzo

O sistema policial-judicial de São Paulo é conhecido pelos milhões de ativistas de direitos humanos de todo o mundo. Não há medidas exatas do grau de violação e abuso, porque é difícil às vezes comparar certo terror de estado com outro. (Por exemplo, quem está em primeiro lugar na lista de massacradores, o delegado que manda torturar cinco pessoas por dia, ou aquele que ordena apenas um homicídio cada 24 horas?)
Entretanto, em termos gerais, ninguém tem dúvida de que este sistema é um das mais racistas, cruéis, corruptos e corporativos do planeta e o maior de Ocidente. Poderia dar não apenas dúzias, mas centenas de exemplos, mas me restrinjo apenas a um, para não fazer este artigo muito longo e perder o foco do principal.
Segundo fontes de diversos países, o massacre na prisão de Pavón, na cidade de Frajaines, a poucos km da cidade de Guatemala, em 25/09/2006, (vide) foi o maior da América Central já produzido por forças militares/policiais. Resultado: 7 mortos, ou seja 6% dos 111 detentos selvagemente assassinados pela polícia paulista em Carandiru, seguindo um plano das autoridades políticas e policiais do estado. Tem mais, ainda: enquanto o carrasco de Carandiru foi nomeado deputado estadual e louvado por políticos e juízes, o ministro do interior (justiça) da Guatemala, durante o massacre de Pavón (Carlos Vielman), foi detido na Espanha por crime contra a humanidade.
Os crimes policiais, ordenados pelos políticos e legitimados pelo judiciário paulista, não são resultado do que tecnicamente se chama “brutalidade” policial, ou seja, uso indiscriminado e desorbitado da força. Trata-se de uma catarse de mentalidade sádica, racista, populista e messiânica destes operadores sociais. O projeto que está por trás não é “apenas”, a banalidade da vida humana, como atribui Hanna Arendt aos nazistas, mas um detalhado e organizado plano de faxina étnica, para eliminar pobres, marginados, mendigos e, em geral, membros de estamento sociais ou raças cuja presença incomoda a demência assassina da burguesia e da classe média da cidade.
A banalidade é terrível porque despreza o valor dos seres humanos. Mas o ódio que caracteriza a faxina paulista é pior, porque faz da aniquilação e o sofrimento dos “inimigos” uma necessidade mística e até biológica. (Há uma longa e bem provada teoria que não posso expor neste breve espaço, de que torturadores, moralistas, inquisidores, genocidas, e outros semelhantes, são pessoas com transtornos sexuais sérios (Reich, Fromm, Mannheim, Foucault, Marcuse, etc.)
Nesta semana, em São Paulo, já se noticiaram dois escandalosos casos de racismo, um contra uma criança negra, e outro contra um jovem negro. Vou me referir a este último.
 
Palavra de Branco
Para boa parte do judiciário brasileiro, a palavra de um branco cristão vale mais que provas fotográficas, documentais e testemunhas presenciais.
O jovem negro MICHEL SILVEIRA, de 26 anos, filhos de Luís e Eliane Silveira Souza, agente sanitário da prefeitura de São Paulo, foi denunciado por um branco como autor de um assalto com armas.
A polícia, a mídia e o judiciário, não tem fornecido nenhuma destas informações: características da suposta testemunha, nem mesmo o nome, natureza do delito, circunstâncias e danos produzidos. O denunciante possivelmente nem exista. Embora não há certeza, o mais provável é que a acusação seja um truque policial para cortar mais uma cabeça afrodescendente.
Michel estava trabalhando como agente sanitário na Prefeitura de São Paulo no dia e hora em que se cometeu o pretenso delito. O Jornal da Globo do dia 03 de janeiro passou uma detalhada matéria, onde se mostra a gravação das câmaras do serviço de Michel, registrando sua presença no local. Vários funcionários e funcionárias deram depoimento ao repórter da Rede Globo, e esta mostrou, ainda, a folha de frequência desse dia, em que aparece a assinatura do jovem Michel.
Tem mais: os colegas de um curso que ele realiza testemunharam de que ele tinha assistido às aulas depois do emprego, duplicando assim o já fortíssimo álibi.
A colega de trabalho, Rogéria Vasconcelos, disse que ele
“estava com a gente no ambiente fechado. Todo mundo é testemunha que ele estava presente no evento”.
A secretaria de Segurança Pública de São Paulo excedeu, neste caso, todo o histórico de cinismo, invencionice e abuso que são típicos desta central de extermínio popular: ela disse que o acusado NÃO APRESENTOU PROVAS DE QUE ESTIVESSE TRABALHANDO.
Ou seja, alguém acusado de qualquer coisa, DEVE APRESENTAR AS PROVAS DE SUA INOCÊNCIA????. Não vale neste resíduo escravocrata do planeta aquele princípio que se exige no mundo civilizado desde 450 a. C., de que o ônus da prova deve ser daquele que acusa.
A barbárie dos jagunços não para por aí. Para eles tampouco existe o “princípio de não contradição”. Primeiro, a SSP disse que não houve flagrante.
Mas, NOVE DIAS APÓS O FORJADO ASSALTO, eles disseram ter o flagrante.
Michel está preso desde há mais de dois meses.
Os jagunços não estão sozinhos. Eles estão bem protegidos pelos inquisidores. Um desembargador do Estado disse que a PRISÃO DE MICHEL NÃO ERA ILEGAL.
DETALHE: O JUIZ É UM DOS QUE RECUSOU O DIREITO DA MÃE DE UMA CRIANÇA SEM CÉREBRO A ABORTAR.
REALMENTE, O MAGISTRADO NÃO SURPREENDE.
Alguém que exija que uma mãe sofra os horrores de uma gravidez de alto risco para ter uma criança que morrerá imediatamente e encherá sua vida de dor, só pode ser um daqueles personagens que o genial Dan Brown imortalizou no Código da Vinci. Para tal tipo de fanático: o que pode importar a liberdade ou a vida de um negro...???
Trata-se de uma verdadeira quermesse de atrocidades, aberrações, atos de sadismo, carolice medieval e loucura assassina. Mas, junto com tudo isso, algo ainda mais claro: RACISMO.
Michel teve sorte, dentro de tudo, de não ter sido morto no local em que foi encontrado. É o destino quase certo dos negros que a polícia encontra numa situação que os algozes acham “suspeita”.


Ações Imediatas
Dizem que no Brasil há 400 organizações de direitos humanos independentes (não estou falando de organismos oficiais que os governos instalam para ocultar a violação desses direitos ou para amortecer as queixas dos verdadeiros defensores). Supõe-se que essas organizações são filantrópicas. Nem os grandes países do mundo podem gabar-se de tantas organizações para um fim tão nobre.
Se isso é verdade, seria bom que uma décima parte delas levantasse sua voz frente a atos de iniquidade extrema como este, aproveitando que a grande mídia nos faz a gentileza de publicar a notícia, em vez de sonega-la.
Todos os agentes sociais que se reivindicam defensores da justiça e dos direitos humanos deveriam se envolver no caso MICHEL SILVEIRA, embora seja apenas um entre dúzias de milhares.
O fundamental é salvar a liberdade e a vida da vítima, mas não apenas isso. Há séculos que estes crimes se repetem, tornando-se cada vez mais perversos por causa do aumento do poder repressivo dos jagunços que fornece a nova tecnologia. (Um dos casos mais conhecidos é o enorme número de assassinatos com TASER, que evita as desconfortáveis perícias balísticas, que nunca se fazem.)
É necessário uma denúncia radical contra os autores, sejam executivos ou judiciais, e uma campanha internacional para que o país atinja um mínimo de respeito aos direitos humanos. (Um progresso perceptível nos DH no Brasil, se tivermos muita sorte, pode demorar cinco gerações, mas esse não é motivo para desanimar. Nós desapareceremos, mas haverá outros vivos).
Por sua vez, sabemos que a comunidade negra está acuada e que, sendo perseguida, encarcerada, assassinada pela polícia (e agora pelos militares que ocupam as comunidades), não é muito o que pode fazer sem colocar-se em extremo risco. Contrariamente ao que acontece nos EEUU (usualmente tido como modelo internacional de racismo), os negros não têm a menor possibilidade de progresso social no Brasil, porque as leis de igualdade social que nos EEUU têm 51 anos de aplicação (apesar dos enormes ataques), no Brasil são repudiadas pelo pior da canalha política e judicial, que as considera uma afronta contra os sagrados direitos dos brancos, ricos, europeus e católicos.
Há alguns meses, pessoas do mundo todo nos arrepiamos contra as atrocidades cometidas contra Troy Davis. Sem dúvida, a indignação era justa. Mas, sejamos realistas: quantos Troys são assassinados pela polícia brasileira nas ruas, com suas famílias, nas favelas, desarmados, sem ter feito nada? Quantos deles sofrem torturas muito maiores que uma injeção letal, e não têm nem voz pública, nem advogados, nem tempo para, pelo menos, gritar sua inocência?
Mas, pelo menos, os líderes do movimento negro que possuem melhores contatos com o exterior devem aproximar-se dos movimentos internacionais. Existem maiores atrocidades em outros países que as praticadas no Brasil (Síria, Sudão, Irã, e talvez alguns mais), mas não há, por enquanto, ninguém que tenha podido mostrar um caso maior de racismo, desde o fim do apartheid em África do Sul, mesmo que essas medidas tenham sido quase totalmente formais.

Ações Mediatas
Faço um chamamento às organizações e agentes de DH para que redijamos um documento detalhado sobre o etnocídio policial e judicial que se pratica no Brasil contra os negros, apara apresenta-lo ao Conselho de DH da ONU.
Sabemos que a burocracia internacional estabelece uma série de regras tortuosas para que se possa chamar algo de “genocídio”. Os requisitos são tantos que até os enormes massacres de Ruanda geraram “dúvidas” nos burocratas internacionais para qualifica-los como genocídios. Ainda mais difícil é punir os atores, porque o sistema de relações internacionais se interessa pelos negócios e não por direitos de qualquer espécie.
Mas, pelo menos, pode se fazer uma ampla campanha de denúncia, que sensibilize a opinião pública mundial. É fundamental ter em conta que os membros de aparelhos repressivos, os militaristas, torturadores, inquisidores e fanáticos do misticismo sanguinário não passam de um 2 ou 3% da humanidade. O problema é que o resto não tem voz, ou não está informado sobre a situação, ou não sabe como atuar.
Devemos nos organizar. Muitas pessoas têm medo (justificado) de represália, mas pensemos que nossa indolência matará milhares de pessoas, num dos mais atrozes quadros de extermínio atualmente existentes em países que não sofrem processos de guerra (ou seja, durante o que ironicamente se chama “tempo de paz”).

Nenhum comentário:

Postar um comentário