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sábado, 31 de dezembro de 2011

DITADURA: A FOTO DA DILMA E O TEATRINHO MILITAR

Já que fui citado na imprensa como um dos réus fotografados no mesmo lote da imagem de 1970 da presidente Dilma Rousseff, vale a pena falar um pouco sobre como, durante a ditadura de 1964/85, encenavam-se julgamentos nas auditorias militares para justificar as sentenças que os serviços de Inteligência e o comando das Forças Armadas previamente estipulavam. (Celso Lungaretti)

Deu n'O Globo (vide íntegra aqui): 
"No começo de 2011, quando o país assistia meio incrédulo à festança de chegada ao poder de uma mulher e ex-guerrilheira, caíram nas mãos do pesquisador Vladmir Sachetta, por acaso, três fotos que revelavam um dos momentos mais marcantes da 'terrorista' Vanda. As fotos são da presidente Dilma Rousseff no frescor de seus 22 anos, com ar rebelde, e de seu ex-marido Carlos Araújo, em depoimento na Primeira Auditoria Militar do Rio, em novembro de 1970.
 Sachetta (...) procurava imagens de militares da Aeronáutica envolvidos no sequestro, desaparecimento e morte de Rubens Paiva. Caiu nas mãos dele uma pasta com o título Justiça Militar. Na última página, encontrou as fotos de Dilma, Araújo e do estudante Celso Lungaretti, feitas por um fotógrafo da Última Hora (...) e publicadas uma só vez, na capa do jornal, em 18 de novembro de 1970.
...no arquivo do jornal, no dia da publicação, a foto de Dilma recebeu a seguinte identificação no verso: '1 Auditoria do Exército (Julgamento dos terroristas Celso Lungaretti, Carlos Franklin Paixão de Araújo e Dilma Rousseff Linhares). Na foto a estudante terrorista Dilma Rousseff Linhares quando era sumariada'".
A foto da Dilma foi espalhadíssima na internet; a minha, que está acima, acabo de receber do companheiro Ricardo Amaral, autor do livro sobre a trajetória da presidente, A vida quer é coragem; e a do Max (Carlos Franklin Paixão de Araújo), aparentemente, só pode ser encontrada em tal livro.

Respondi a quatro processos, os da VPR e da VAR-Palmares, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Isto porque ingressei na VPR em abril/1969, a organização se fundiu com o Colina no meio do ano (formando a VAR) e em outubro reconstituímos a VPR, depois de  racharmos  no Congresso de Teresópolis.

No fundo, os militares não fizeram direito a lição de casa, pois eu militei na VPR nos dois Estados, mas só militei na VAR em SP. Deveria ter ficado de fora do processo da VAR no RJ --exatamente aquele de que a notícia trata.

Eu só me lembrava da  Vanda  no Congresso do racha, quando nos colocamos em campos opostos. Mas, como vários jornalistas andaram me ligando para saber se eu tinha algo de interessante a relatar sobre a nova presidente --não tinha--, cheguei a pensar que provavelmente nos haveríamos reencontrado como réus de um ou dos dois processos da VAR. Agora isto está confirmado.

Apesar de já se terem passado mais de quatro décadas, fico meio perplexo por haver esquecido tão completamente muito do que rolou nas auditorias.

Talvez porque aquele jogo de cartas marcadas me entediasse mortalmente: graças às informações que reunira como comandante de Inteligência da VPR e da VAR, eu tinha absoluta certeza de que as sentenças eram previamente definidas pelo alto comando, a partir das avaliações da 2ª Seção do Exército, do Cenimar e do Cisa, só cabendo àqueles figurantes simularem que estavam nos julgando.

Foi mais um descalabro da ditadura, submeter civis à Justiça Militar, com oficiais da Arma respectiva e um juiz auditor fazendo as vezes de jurados isentos.

Se fosse para valer, que chance teríamos? Nenhuma, nossa condenação seria inevitável segundo as leis de exceção impostas pelos que haviam estuprado a liberdade.

E, não sendo para valer, eles eram obrigados a obedecer às ordens recebidas.

Era tudo tão patético que, certa vez, em pleno julgamento, o advogado de ofício começou a não falar coisa com coisa. Percebendo que ele estava bêbado, o juiz auditor o expulsou e designou outro, que foi obrigado a improvisar a defesa... em cerca de dez minutos! 

Suspenderam a sessão para o cafezinho e ele passou os olhos pelo processo. Na reabertura fez sua arenga,  apelando para generalidades e platitudes, já que não conseguira inteirar-se das especificidades do caso.

A lembrança mais nítida que conservo é a de Matos (Cláudio de Souza Ribeiro) com olhar perdido, parecendo nem reconhecer os antigos companheiros.

Ele vinha dos movimentos da marujada que antecederam o golpe e chegou até a ser comandante da VPR e da VAR. Mas, entrou em crise, afastou-se da militância e foi levar vida de civil numa aldeia de pescadores, montando casa com uma militante de base que desistiu da luta por ele.

Traído (sexualmente...) por ela e diante da perspectiva de ser abandonado, assassinou-a e foi entregar-se à polícia. Acabou no DOI-Codi, suplicando para que o matassem e ouvindo a resposta de que lá só morria quem eles queriam, não aqueles que queriam morrer. 

Vê-lo reduzido a trapo me chocou e consternou. Era o único de nós que estava algemado em plena auditoria, sentado com um agente de cada lado --temiam que ele realmente desse cabo da vida. Sua história (mais detalhes aqui) é dilacerante.

Por último: muitos internautas comentaram que, na foto da Dilma, os militares escondiam a cara por vergonha. Não, era por paúra mesmo. Temiam ser retaliados, como se não soubéssemos que seu papel era  decorativo.

Se havia contas a acertarmos, era com os torturadores, com seus mandantes, com os financiadores da repressão, etc. Não com esses atores de quinta categoria.

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