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domingo, 1 de maio de 2011

O DIA DOS DOMESTICADOS


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Para desvalorizar a data, o sistema chama de Dia do Trabalho, quando, na verdade, é o Dia do Trabalhador. No Brasil, um trabalhador cada vez mais preso às centrais sindicais que estão ligadas a um governo que escolheu o capitalismo e, portanto, a crueldade e o arrocho salarial. O que festeja, nesta data, o trabalhador brasileiro?

     Com certeza, teremos cínicos discursos em todos os lugares aonde se reunirem mais de 10 pessoas. Lembrarão a bravura e a força do nosso trabalhador e entoarão canções para os braços que sustentam o capital. E milhões de trabalhadores se sentirão engrandecidos, como todos os anos, e acreditarão realmente naquelas palavras que os colocarão no ápice da estrutura social. Porque estamos acostumados a ouvir e a acreditar em palavras bonitas e em discursos grandiloqüentes.

     Lula, Dilma e capachos outros serão entrevistados e falarão dos trabalhadores como quem fala de filhos que estão aprendendo a crescer e a se desenvolver graças aos seus conselhos. Lembrarão dos empregos concedidos graças às suas gestões, aos seus esforços enquanto presidentes; e Lula dirá, com lágrimas nos olhos, das suas antigas lutas quando era um sindicalista e de tudo o que passou até chegar a ser mais um presidente entreguista. E milhões de trabalhadores acreditarão que é necessário fazer o que o Lula fez para chegar a presidente, mesmo que um presidente traidor da sua classe, mas presidente.

     Esquecerão por um dia do salário mínimo tão mínimo e pensarão em seguir os conselhos paternalistas daqueles que representam um Estado que os esmaga diariamente. Os trabalhadores sindicalizados se sentirão ufanos no 1º de maio – mais um 1º de maio de falsa euforia – porque acreditarão que eles constroem o Brasil. Para os outros.

     Acreditarão que os seus sacrifícios de agora são passageiros e necessários para que, no futuro – e o Brasil é sempre um país do futuro – os seus filhos usufruam de todas as benesses agora prometidas, mas reservadas, por enquanto, apenas aos senhores do capital. E desejarão que os seus filhos venham a ser capitalistas – usineiros, latifundiários, políticos, empresários, jogadores de futebol ou mercenários de qualquer profissão que dê muito dinheiro. Porque se espelharão nos patrões, pessoas que lutaram, fizeram a vida, conforme os seus dossiês oficiais, e alcançaram, por fim, a suprema arte de iludir e explorar.

     Nada farão os trabalhadores, a não ser festejar o seu dia de acordo com a agenda e esperar o futuro que os aguarda com sorrisos, festas e eterna alegria - como aqueles religiosos que esperam a outra vida que será, inevitavelmente, bem melhor que esta passageira vida carnal. E beberão, explodirão em drogas e sexo, assistirão futebol e todos aqueles programas que insistem que são eles os heróis que a pátria aclama.

     Nada farão, porque perderam o sangue, a força de vida, o espírito de luta, a consciência social, a capacidade crítica e estão envolvidos neste mundo que lhes apregoa que se eles tiverem um celular e um carro serão vencedores, porque este é um mundo competitivo, feito somente para os muito trapaceiros, que os incita a atropelar os mais próximos, a cultivar o individualismo como religião e razão de vida e a esperar, com fervor, a próxima mega-sena. Em último caso, torcerão pelos seus times, gritarão nas arquibancadas e lutarão nas ruas por uma cor ou um distintivo, e se sentirão alforriados dentro da sua escravidão mental.

     Não desejarão saber que serão jogados no lixo assim que envelhecerem ou que as suas filhas poderão se transformar em prostitutas e os seus filhos talvez venham a preferir o caminho da criminalidade oficializada.

     Não saberão nem desejarão saber dos milhões de famintos e miseráveis deste Brasil que os engana e amortece. Desdenharão os que não tem emprego, os favelados, os escravizados e os enganados pela vida, que nada mais esperam a não ser a morte rápida.

     Chamarão de anarquistas aqueles trabalhadores – sindicalizados ou não – que saírem às ruas para protestar contra a instituição da mentira – e que serão reprimidos pela inconsciente polícia do sistema.

     Os trabalhadores sindicalizados da era pós-Lula tem as suas lutas, que chamam de lutas pontuais, lutas educadas e conservadoras, com exigências que nada exigem além daquilo que já foi combinado antecipadamente entre os seus líderes – que um dia serão deputados e senadores – e os patrões. Lutas individualistas, que se limitam a melhorias no local do emprego, a pequenos avanços salariais já previstos no orçamento das empresas.

     Trabalhadores sindicalizados da era Dilma não costumam fazer greve; muito menos greve geral por um Brasil dos brasileiros, contra a miséria e o desemprego. Preocupam-se apenas com o seu próprio emprego. Não participam das lutas dos oprimidos, dos sem-teto, dos sem-terra, dos povos indígenas, da maioria do povo brasileiro. Preferem olhar para os seus próprios pés, como bois mansos.

     Domesticados, inermes, no 1º de maio se regozijarão com a sua paquidérmica inação.

     Preferirão o momento estéril dos discursos de elogio. No dia seguinte, irão trabalhar e beber no fim de tarde e se queixar da vida. Até o próximo 1º de maio sem luta, sem força, sem vontade, sem a consciência da sua própria classe.

Fausto Brignol.

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