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domingo, 8 de maio de 2011

MÃES DE MAIO E O ESTADO GENOCIDA


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“Meu filho se chama Edison e tinha 29 anos. Foi morto na rua, tinha ido em casa para buscar remédios e por gasolina em sua moto. Vivemos na Baixada Santista, um bairro de trabalhadores em São Paulo. Os policiais o seguiram e o mataram a 500 metros do posto de gasolina. Embora haja contradições nas declarações, o Ministério Público não fez nada e arquivou o caso”, disse Débora Maria da Silva, uma mulher de 50 anos, mãe de outras duas filhas.


     Não só os filhos perdidos por assassinato, mas também os filhos perdidos para a televisão, os filhos perdidos para a submissão, os filhos perdidos que desistiram de raciocinar e acreditam que a vida é apenas a busca do prazer, os filhos perdidos para as drogas, que preferiram um estranho mundo interno e desistiram.

     Dar presentes para as mães. Sair correndo e comprar aquela lembrancinha porque todos saem correndo para comprar aquela lembrancinha e o império da mídia manda todos correrem para comprar porque depois terão o almoço especial de domingo feito pela mãe homenageada, que fingirá estar feliz.

     Não só os filhos perdidos por assassinato, mas principalmente os filhos perdidos por assassinato. Os filhos perdidos por assassinato praticado pelo Estado genocida. O Estado genocida que esconde a pobreza e, se possível, a mata para escondê-la melhor ainda.

     Mães de maio. Mães que somente são lembradas em maio. Cinicamente.

     Não as mães que vivem em um mundo artificial, proporcionado pelo dinheiro e a abundância. Estas brincam de mães de vez em quando e ensinam aos filhos uma fictícia maneira de viver.

     Mas as mães que vivem aflitas quando os seus filhos saem, porque não sabem se eles voltarão. As mães que já perderam as ilusões e que deixaram os sonhos de Cinderela há muito tempo. Ou as mães que não tem filhos, mas são mães de todos e se preocupam e lutam e não desistem e denunciam.

     O Movimento Mães de Maio nasceu na Baixada Santista e já está se espraiando por todo o Brasil. Foi logo após aquela onda de violência em São Paulo, em 2006, que deixou mais de trezentos mortos, a maior parte assassinada por policiais. Foi quando a Anistia Internacional denunciou que estavam operando no Brasil esquadrões da morte integrados por policiais cujas vítimas somaram-se aos quase nove mil assassinatos perpetrados pela polícia brasileira, em sua maioria categorizados como casos de “resistência seguida de morte”, sem investigação judicial, entre 1999 e 2004.

     Essa pesquisa foi feita pelo sociólogo uruguaio Raul Zibechi, que constatou que no Brasil o Estado era o responsável por um verdadeiro genocídio. O Estado tentou explicar, dizendo que eram resquícios da ditadura militar. Passaram-se os anos e hoje, 2011, fazem-se filmes que elogiam as matanças das polícias especiais e o povo está quase acreditando que esses assassinatos são necessários.

     Segundo Raul Zibechi, Rafael Dias, da ONG Defesa Global, acredita que no Brasil existe um Estado genocida porque “nunca houve uma ruptura entre o Estado da escravidão e o Estado moderno e temos agora um Estado elitista que funciona através da violência para separar os índios, os negros, os pobres, que são considerados como ameaças, como classes perigosas”.

     “Agora temos o modelo da militarização das favelas, porque se segue considerando o pobre como um perigo permanente e esta é a lógica da segurança pública”.

     “Os membros do Governo seguem tratando os favelados como lumpen, pessoas que estão fora da sociedade”, disse Rafael Dias.

     “O governo não compreende a situação dos mais pobres, porque como não estão organizados em sindicatos nem em partidos, não formam parte do projeto político e acreditam resolver o problema aplicando políticas compensatórias, como o Bolsa Família. Estamos repetindo os três eixos que haviam durante a escravidão, o tríplice P: pão, pau e pano.”

     A criminalização da pobreza é uma das torpes características do sistema capitalista. Um sistema que já é cruel por si mesmo, com a divisão de classes e que classifica as pessoas de acordo com a maior ou menor riqueza material.

     Aos pobres, o serviço pesado e o arrocho salarial. Aos ainda mais pobres a morte em vida ou a morte rápida sob qualquer acusação ou sob nenhuma acusação. À classe média, a ilusão de uma democracia de novela. Aos ricos tudo é permitido, inclusive o direito da extrema corrupção e da extrema perversão, porque nunca serão punidos.


A BAGDÁ SANTISTA

     Comunicado das Mães de Maio da Baixada Santista:

     “Ao longo dos anos de 2008 e 2009, a Baixada Santista foi a região do estado de São Paulo onde os homicídios mais cresceram, verdadeiras estatísticas de guerra!

     “Durante o mês de Abril de 2010 a Polícia Militar e grupos paramilitares de extermínio ligados a ela voltaram a atuar na Baixada Santista, no mesmo estado de São Paulo, executando sumariamente 27 pessoas num curto espaço de 10 dias. Informações apuradas pela própria Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo atestaram que estes policiais e grupos de extermínio seriam ligados à máfia chamada OS NINJAS, grupo de extermínio de policiais encapuzados auto-denominados “justiceiros” que têm atuado desde Maio de 2006 impunemente. Nas favelas e bairros periféricos da Baixada, àquela altura, corria abertamente o boato de que a lista completa daqueles Crimes de Abril seria de 51 pessoas. Uma lista que, felizmente, parou na metade graças aos gritos e às denúncias das Mães e Familiares que alertaram para o novo massacre em curso. As devidas investigações e punições, porém, mais uma vez não avançaram...

     “(...)Sem uma apuração ampla, geral e irrestrita do Crimes de Maio de 2006 e dos Crimes de Abril de 2010 (grande parte deles provocada pelos mesmos grupos de extermínio), as tragédias de Abril de 2011, 2012, 2013, 2014... serão cada vez maiores! Estamos voltando a avisar com amplo testemunho de todos os Senhores e as Senhoras, em cópia aberta.

     “O tempo urge: e estamos cansadas de bravatas e falações! Elas apenas custam mais vidas! Queremos atitudes concretas, urgentemente! E que fique escuro: não adianta pedir o envio de mais dezenas e dezenas de viaturas para descerem a Serra, para a Baixada Santista, pois sabemos que isso só piora o Terror vivido por nós! Os Grupos de Extermínio são ligados à Polícia, isto está mais que provado. Só falta a Justiça se mexer.

     “Quantas vidas mais será necessário nós perdermos para que se ampliem investigações corretas, façam-se inquéritos decentes e apliquem-se as devidas punições aos responsáveis? Quantos anos mais teremos que esperar para ver um inquérito sequer sendo corretamente apurado, trazendo à tona a Verdade e punindo Justamente os Responsáveis? Dos cerca de 500 assassinatos de 12 a 20 de Maio de 2006 não temos um policial sequer devidamente julgado e punido até hoje, em plena "democracia"!

     “Exigimos, por favor, encaminhamentos concretos dos Senhores e das Senhoras, conforme as respectivas atribuições profissionais, políticas e humanas que a cada um compete. Que estes encaminhamentos sejam compartilhados abertamente aqui para esta mesma lista, para que tod@s tenham ciência do procedimento de cada um diante destes Crimes contra a Humanidade.

     “Bem-vind@s à Bagdá Santista!

     “Inconformadamente,

     “Mães de Maio da Baixada Santista

     “PS: escrevemos esta mensagem enquanto helicópteros da Polícia, neste exato momento, sobrevoam nossas casas, aqui, na periferia da Baixada Santista. É assim que é!”


O ESTADO QUE MATA E ESCONDE A MÃO

     Não só na Baixada Santista. O Brasil inteiro é uma imensa cova rasa onde choram pais e mães pelos seus filhos assassinados pelo Estado. Recentemente, em um dos seus estranhos pronunciamentos, Dilma falou que os pobres devem “subir na vida”. É claro que devem, mas como? Dilma é uma pessoa estranha, imensamente desinformada ou imensamente cúmplice desse estado de coisas.

     Em minha cidade existe uma vila chamada Vila Miséria. Os órgãos públicos fingem que não existe. Fica ao lado do lixão da cidade e os seus moradores se alimentam daqueles restos dos bem alimentados. Não tem eletricidade, esgoto, centro de saúde, escola, e os moradores são como zumbis que apenas esperam a segunda morte.

     No Brasil inteiro existem vilas misérias, onde o povo que não consegue nem ser pobre tenta sobreviver do lixo. De vez em quando, alguns entre eles se indignam e saem para conseguir restos melhores, talvez para assaltar. Não voltam. Mães choram, mas quem quer saber de mães miseráveis? Essas não ganham flores no seu dia.

     Vivemos em um Estado genocida que discrimina entre quem paga e quem não paga impostos. Onde os pobres e os miseráveis são colocados de lado, como pessoas de segunda e de última classe. Para estes a pena de morte existe e pode ser aplicada a qualquer momento, sob qualquer pretexto.

     Fala-se muito em direitos humanos. Há uma grande discussão no Brasil sobre se deveremos ou não punir os militares assassinos e torturadores da ditadura militar. Todos querem saber se os guerrilheiros do Araguaia, nos anos 1970, terão a sua justiça póstuma. Mas ninguém se preocupa com os abandonados de agora, com os assassinados diariamente, com os que tentam sobreviver ao próprio Estado armado, que finge que não existe mais ditadura. Os pobres não contam; são cifras incômodas. Não importa quem chore por eles.

     Então, neste domingo, vamos festejar o Dia das Mães. Fingidamente. Vamos fingir que todas as mães estão satisfeitas neste Brasil que nos engana. Vamos elogiar as mães, mesmo aquelas a quem o Estado roubou o seu bem maior: os filhos. Quem sabe até, devamos agradecer por esta sociedade malévola à qual pertencemos, enquanto não somos nós os usurpados, os enganados, os assassinados.

     Ou vamos à luta. Vamos ousar lutar, ousar vencer.


Fausto Brignol.

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