Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(Olavo Bilac)
Quando erramos, erramos. Ou não erramos? Há quem pense que uma república, por ser coisa do povo – res publica – no ensino da sua língua deve acompanhar a pobreza mental de quem não sabe ler, escrever e falar. O raciocínio parece ser o seguinte: se a maioria do povo não sabe falar (muito menos ler e escrever) o português correto, adote-se o não falar corretamente, o não escrever corretamente como sendo o correto, porque a maioria deve mandar no país, uma vez que a República deve pertencer ao povo.
E assim pensando, os professores do MEC, do alto das suas altas graduações de pós-pós-doutorado, patrocinaram a edição de um livro didático que ensina que o errado também poderá ser certo, desde que você saiba falar (e talvez escrever) apenas o errado. A idéia é dizer ao povo, em sua grande maioria, que ele manda, mesmo que não saiba pensar, raciocinar e articular uma frase em português correto. Porque o correto poderá estar errado e o errado poderá estar certo, desde que o povo assim decida.
O volume Por Uma Vida Melhor, da coleção Viver, Aprender, mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância. Os autores usam a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em outro exemplo, os autores mostram que não há nenhum problema em se falar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”. Segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.
Mais um ato de demagogia tipicamente petista. É mais fácil concordar com o que está errado do que ensinar o que é certo. E assim teremos uma segunda língua, alternativa aos analfabetos funcionais, que lembrará o português. E ficará tudo mais fácil para todos. Para que ensinar concordância, regência, análise sintática, que é tão difícil até para os professores? Morfologia...Sintaxe... E os verbos... São tão infinitivos que a sua tendência será desaparecer no infinito. É muito difícil aprender português. Então, para que aprender?
Convenhamos, a linguagem vem em primeiro lugar, depois é que a língua é formada. Você pode se comunicar através de gestos, olhares, sons guturais e, desde que consiga fazer-se entender dentro do seu grupo social através de uma linguagem primitiva que facilitará essa comunicação... estamos conversados. Daí, para entender a língua conseqüente a essa linguagem e outras complicações ortográficas e gramaticais, deixemos isso para os idiotas que gostam de ler e de escrever. Vamos falar brucutu, inventar o nosso patoá. É mais fácil.
É mais fácil, também, corromper e ser corrompido e estamos no Brasil onde quem não é corrupto é considerado bobo. Então, vamos corromper também a língua, para que fique bem entendido que a corrupção faz parte da nossa linguagem e entendimento enquanto brasileiros.
Temos ótimos exemplos de corrupção também no modo de falar dos nossos presidentes. Lula não sabe falar e quando diz alguma coisa, como, por exemplo: “cumpanheiros, nóis tamu aquipra verquenhé qui póde mais!”, é perfeitamente entendido e ovacionado delirantemente pelos seus iguais. É uma língua própria, que está pegando e agora está sendo gramaticalizada, tamanho o exemplo do nosso ex-presidente. E a nossa presidente, que prefere ser chamada de ‘presidenta’, tem o seu próprio linguajar, que alguns apelidaram de “dilmês” – tão graciosa é a maneira como se expressa. Graciosa e ininteligível, muitas vezes, mas graciosa. E o exemplo sempre vem de cima.
Mesmo que o que venha de cima seja um cacho de bananas na nossa cabeça, indicado pelos especialistas em cachos de bananas para parar o raciocínio supérfluo. Além disso, banana é rica em potássio e fibras. E precisamos de fibra para agüentar este demagógico e corrupto Brasil.
Tão demagógico que de tanto falar em Paulo Freire, autor de “A Pedagogia do Oprimido”, o PT fez exatamente o contrário: ensina aos oprimidos que a opressão faz bem. E diz a eles que podem optar por continuar como oprimidos até na língua, se assim desejarem. Para não correrem o risco de preconceito lingüístico, poderão criar a sua própria língua – baseada na gíria e na preguiça mental. E, teoricamente, falando e escrevendo como quiserem, os oprimidos se sentirão livres de qualquer preconceito lingüístico. E colocarão a si mesmos em um guetto mental e cultural.
Mas como os oprimidos não sabem que são oprimidos, porque a pedagogia da ditadura civil continua a ser a mesma pedagogia da opressão da ditadura militar, e não a pedagogia proposta por Paulo Freire, acreditarão que falar e escrever de qualquer jeito é uma forma de liberdade. Só não sabem, e continuarão a não saber, que, na verdade, é mais uma maneira de opressão e de discriminação. Já não basta ser pobre e excluído; é necessário que fale e escreva errado, com o aval e os sorrisos do governo. Ghetto cultural.
Na verdade, não importa ao Governo educar corretamente os jovens e adultos. Importa que passem de ano de qualquer maneira e corram para o mercado de trabalho, ostentando o seu diploma. Quanto mais pessoas procurando emprego, menor será o salário, devido à grande concorrência por vagas. É a lei da oferta e da procura também para o trabalhador.
Às vezes, quando assisto a um programa sobre a realidade dos países latino-americanos fico surpreso com a facilidade e riqueza de vocabulário com que os irmãos à nossa volta falam o espanhol, com pequenas diferenças de país para país, que não chegam a se configurar em dialetos, mas diferenças como o nosso português do Brasil em relação ao português de Portugal, Angola, Moçambique, etc. E as pessoas entrevistadas são simples, às vezes muito pobres, mas cultuam a sua língua como quem cuida de um filho, porque falar bem a própria língua – embora o atual Ministério de Educação e Cultura pense o contrário – é uma questão de cultura.
E não percebo que usem gíria. Não tanto como nós. Eles gostam de falar espanhol, de se expressar em espanhol. Não tratam a sua língua como um estorvo, exatamente como nós, ou conforme as últimas orientações do MEC. Mas aqui é uma questão de corrupção até na língua.
Também gosto de ler os livros em português de Portugal, como os romances de Saramago, que tão suave e agradavelmente sabia se expressar, e percebo o quanto perdemos não só em vocabulário como em amor à nossa própria língua e que a nossa distância de Portugal não é somente física.
Porque um povo que não ama a própria língua não pode amar a si próprio.
À medida que esse desamor aumenta, diminui a sua auto-estima, diminui-se ante si mesmo. E passa a falar e a escrever atravessado, como nas mensagens da Internet, e a desfazer-se do seu orgulho e a sentir-se pequeno, muito pequeno e a adotar outras línguas, como o inglês, por entender, em sua sublime ignorância, que falar corretamente o português é errado. E o errado passa a ser o certo e a identidade nacional dilui-se.
Talvez seja este o objetivo final deste governo que vai para dez anos: acabar com o que resta de orgulho pátrio. Porque pessoas sem qualquer orgulho, sem referências que não sejam as chuteiras e os cabelos dos jogadores de futebol, são mais fáceis de manipular.
Fausto Brignol.
Adorei! Estou totalmente de acordo com as teses expostas neste belo texto e apreciei o modo como utiliza a pedagogia do oprimido para denunciar a miséria mental deste nosso mundo indigente. Obrigado! :)
ResponderExcluirVou divulgar no meu blogue!
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