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terça-feira, 31 de maio de 2011

ARTIGO IMPERDÍVEL DE DALMO DALLARI: "A SUPREMA NEGAÇÃO DO DIREITO"

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"Quem deveria determinar a libertação de Battisti
não se conforma com esse desfecho do caso e tenta...
Nos próximos dias deverá estar de novo na pauta do Supremo Tribunal Federal, e desta vez absurdamente, o caso do italiano Cesare Battisti, cuja extradição foi pedida pelo governo italiano.

Não é difícil demonstrar o absurdo dessa inclusão na pauta de decisões, de uma questão que não depende de qualquer decisão judicial, mas apenas de uma providência administrativa.

De fato, como já foi amplamente noticiado, o Supremo Tribunal Federal já tomou sua decisão sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti, na parte que lhe competia, julgando atendidas as formalidades legais e deixando expresso seu reconhecimento de que a decisão final seria do presidente da República.

E este proferiu sua decisão em 31 de dezembro de 2010, negando atendimento ao pedido de extradição, em decisão solidamente fundamentada e juridicamente inatácavel.

Entretanto, Cesare Battisti continua preso, sem qualquer fundamento legal, e foi para fazer cessar essa ilegalidade que seus advogados pediram formalmente ao Supremo Tribunal Federal a soltura de Battisti.

É oportuno lembrar que quando recebeu o processo com o pedido de extradição de Battisti, o ministro Gilmar Mendes determinou sua prisão preventiva, para ter a garantia de que, se fosse concedida a extradição - que na realidade já foi legalmente negada em última instância – ele pudesse ser entregue ao governo italiano.

...por meio de artifícios jurídicos, retardar quanto
possível essa providência, que é um imperativo legal."
Decidida regularmente a negação da extradição, o que se tornou público e notório no dia 1º de janeiro de 2011, deveria ter sido determinada imediatamente a libertação de Battisti, pois não havia outro fundamento legal para mantê-lo preso a não ser a expectativa de extradição, o que deixou de existir desde que conhecida a decisão presidencial.

O que está evidente é que, por alguma razão que nada tem de jurídica, quem deveria determinar a libertação de Battisti não se conforma com esse desfecho do caso e tenta, por meio de artifícios jurídicos, retardar quanto possível essa providência, que é um imperativo legal.

No conjunto das arbitrariedades usadas para impedir a libertação de Battisti, há poucos dias ocorreu no Supremo Tribunal Federal um estranho erro. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, estava no exterior e por isso o pedido de soltura de Battisti, que deveria ser decidido pelo relator, foi distribuído, pelo critério de antiguidade no Supremo, ao ministro que deveria ser o seu sucessor no recebimento do pedido, observado o critério de antiguidade naquela Corte.

Supõe-se que não haja qualquer dificuldade para que os servidores do tribunal saibam qual a ordem de antiguidade dos ministros, que são apenas onze.

Entretanto, ocorreu um erro primário na verificação de qual ministro seria o sucessor de Gilmar Mendes pelo critério de antigüidade. E o processo foi distribuído para um substituto errado, tendo ficado sem decisão o pedido porque foi “percebido o erro” e o processo foi afinal remetido ao telator depois de sua volta.

O que se espera agora é que não ocorra outro erro e que o Supremo Tribunal Federal se oriente por critérios jurídicos, fazendo cessar uma prisão absolutamente ilegal, que ofende os princípios e as normas da Constituição brasileira, além de afrontar os compromissos internacionais do Brasil, de respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana.

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal cumpra sua obrigação constitucional precípua, de guarda da Constituição, o que, além de ser um dever jurídico, é absolutamente necessário para preservação de sua autoridade, bem como para afastar a possibilidade de que advogados chicaneiros invoquem como exemplo, para justificar o uso de artifícios protelatórios, o comportamento de integrantes do próprio Supremo Tribunal.

Manter preso Cesare Battisti, sem que haja qualquer fundamento legal, é uma afronta ao Direito e à Justiça, incompatível com as responsabilidades éticas e jurídicas do mais alto tribunal do país.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Drogas e Repressão

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Drogas e Repressão
Carlos A. Lungarzo
AIUSA 9152711
Segundo comunicado da Polícia Militar de São Paulo, a manifestação que teve lugar no dia sábado 28 de maio no centro financeiro da cidade em defesa da liberdade de expressão, teria contado com 4.000 manifestantes no momento de seu lançamento e com mais de 2.000 no instante da desconcentração.  Se foi mantida a tradição de todas as polícias, desde a época do bonapartismo, de subcalcular o número dos inimigos, a passeata deve ter tido por volta de 7.000 participantes.
Durante a realização do evento, os passeantes presentearam o público e a polícia com flores, representando os votos de paz que se tornaram comuns desde a década de 1960, com o ressurgimento do pacifismo e da Nova Esquerda na Europa e nos EEUU.
Desta vez, a polícia evitou perseguições e provocações, e cumpriu seu acordo com os manifestantes, de permitir que a manifestação pudesse acontecer sem bombas nem pancadas.  Apesar da nova recusa do Tribunal de Justiça de São Paulo para aceitar uma marcha pacífica (e, desta vez, uma marcha sem referência à maconha, sustentando apenas à liberdade de expressão), algum acordo de bastidores entre a polícia e o governo do estado deve ter impedido uma nova chacina, uma vez que a imagem da São Paulo como centro de repressão é uma das mais conhecidas na comunidade internacional de direitos humanos.
O evento anterior, ferozmente reprimido pelos jagunços urbanos, era uma marcha em prol da descriminalização da maconha que se realizou em diversas cidades do Brasil no dia 21 de maio, com graus também variados de repressão, embora nenhum tão alto como em São Paulo, um estado dominado pela pior combinação possível entre o capitalismo manchesteriano do século 19 e o obscurantismo patológico do Opus Dei. O ato tinha sido proibido no dia 20 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP, sobre cuja nefasta história falarei um pouco num artigo próximo), sob o pretexto de constituir apologia do crime.
Curiosamente, o TJSP teve dificuldades para usar o mesmo argumento com a manifestação do dia 28, porque até para aqueles inquisidores seria um exagero dizer que uma marcha pela liberdade era uma “apologia do delito”. Como é bem conhecido, a marcha foi totalmente pacífica, e seus participantes acataram a ordem de ocultar a palavra “maconha” em seus cartazes e camisetas, mas isso não os poupou da sanha dos esbirros, que fizeram múltiplas detenções e agrediram fisicamente numerosas pessoas. A marcha do dia 28, pelo contrário, mostra uma microscópica faísca de esperança para uma futura luta geral contra os direitos humanos, não vinculada a nenhum assunto em particular.
Neste artigo, desejo analisar apenas um aspecto da questão: a relação entre a reclamação pela descriminalização do uso de entorpecentes e os direitos humanos. Num artigo complementar, vou me referir ao que poderia ser o surgimento de um frente de resistência múltiplo (envolvendo movimentos sociais de diversa espécie), para combater o obscurantismo e a repressão.

Direitos Reflexivos

As pessoas possuem direitos humanos que devem ser respeitados por outras pessoas, mas há alguns direitos básicos que devem ser também respeitados pelo mesmo agente; ou seja, são direitos que defendem a pessoa contra as agressões dela própria. Em outras palavras, são direitos que não podem ser abdicados por seu portador.
Chamo a estes direitos humanos reflexivos (que se refletem sobre o mesmo autor). Os direitos humanos reflexivos são poucos. Por exemplo, todos têm direito a que sua vida não seja interrompida por outra pessoa, mas alguém pode decidir acabar com sua própria vida por causas que envolvem seu próprio bem-estar (é o caso de quem se suicida ou pede ser beneficiado com a eutanásia para não sofrer uma doença irreversível e dolorosa; ou quem decide sacrificar sua vida em prol de uma causa concreta que ele considera mais importante que sua própria existência, etc.)
Mas, um direito humano reflexivo é aquele que impede que uma pessoa seja degradada ou agredida física ou moralmente, por outros ou por ela mesma. Neste caso, a pessoa “não tem direito” a tornar-se vítima de si mesma. Esta expressão “não tem direito” é uma metáfora para uma afirmação mais complexa. De fato, a pessoa que se agride a si mesma (como no caso de autoflagelação) está sofrendo um transtorno em sua capacidade mental e emocional. Portanto, o direito não está sendo utilizado para proteger alguém de si mesmo, já que isto parece sem sentido, porque estaríamos lhe impedindo decidir sobre ela própria. Protege-se a pessoa de qualquer fator que provoque um desequilíbrio psíquico que produza a autoagressão. A vítima deve ser tutelada e ajudada a curar o transtorno que a conduz a se autoagredir e, enquanto isso acontecer, ser controlada para evitar esses atos. Observe que isto é diametralmente oposto à negação da eutanásia. A eutanásia é uma maneira de evitar a degradação do sofrimento, ou seja, é liberar a vítima de agressão externa por doenças ou outras disfunções. É claro que o assunto é complexo e podem aparecer ambiguidades que requeiram um tratamento casuístico. Por exemplo, alguém pode precipitar-se e optar pela eutanásia num caso em que sua doença seria curável sem degradação da sua vida.
Os casos de autoagressão têm etiologias externas muito diversas: brigas familiares, sensação de desprezo e isolamento, perseguição do sistema político e social, tendências masoquistas endógenas, misticismo e ascetismo, etc., mas, em geral, só podem crescer num sistema psíquico emocional vulnerado. A índole da etiologia interna da autoagressão não é tão misteriosa: é uma mistura de sentimentos doentios. Entretanto, foi mistificada durante séculos pelo fanatismo religioso, e pelo proveito que tiraram dele inquisidores, linchadores e torturadores. Com efeito, ainda hoje, muitas seitas propõem certas formas de agressão violenta (como a autoflagelação no Opus Dei, e a Axoura entre grupos xiitas radicais) como ato de purificação. Muitas das exigências de seitas que parecem “normais” são também convites à autoagressão, como as limitações ao relacionamento sexual consentido, a condenação a gravidez indesejada, e assim em diante.
No caso do consumo de drogas, ele pode ser visto como autoagressão, já que os entorpecentes produzem um efeito negativo no organismo, tanto fisicamente, como psiquicamente. Entretanto, a solução final ao problema deveria ser a criação de ambientes sociais e psíquicos nos quais os fatores que deflagram esses vícios percam sentido. Mas, sendo que não em todos os casos é fácil ter sucesso, a solução parcial deve ser a adotada por medidas conciliatórias como as que caracterizam o modelo holandês, que permite um consumo moderado de droga leve, sob a vigilância do estado.
Na Holanda (cujo modelo tentou muitas vezes os países Escandinavos, a Suíça e o Reino Unido, mas não conseguiu vingar por causa de pressões de grupos moralistas e fascistoides) o consumo de droga pesada (que nunca foi autorizado), como crack e heroína diminui notavelmente, com base no princípio de minimização de danos (harm minimization, HM). Apesar das dificuldades (cada vez menores) para adotar o modelo holandês, programas de HM se utilizam até em países repressivos e puritanos como os EEUU desde há décadas, com resultados positivos verificados. O aumento do consumo mundial de droga nas últimas décadas não está relacionado com a HM, mas com o aumento massivo da oferta, o barateamento do produto (como no caso do atual oxi, ainda não avaliado em seus efeitos potencialmente demolidores), e também pelo entrosamento dos cartels de droga com os governos, os tribunais, as polícias, as forças armadas e, sobretudo, os bancos. (Este é um aspecto que está bastante documentando, mas requer uma exposição extensa. Em alguns lugares, como na Colômbia, isto é muito claro).
A repressão da vítima e não dos vitimadores, é uma política de extrema barbárie que ameaça todos os direitos humanos. Não é por acaso que neste momento se lança desde os mais tóxicos esgotos da direita brasileira, uma ofensiva contra o homoerotismo, contra o direito à maternidade responsável, contra os que exigem a divulgação dos crimes militares, e contra quaisquer outros que representem civilização, democracia ou humanismo. Também, como sempre fez o judiciário, até em países realmente democráticos, se manipula a liberdade de expressão que, na prática, é proibida a todos os que não são amigos do sistema.
Há vários aspectos sobre a repressão contra o consumo de drogas, que não podem ser analisados de uma vez só, e requerem uma ação educativa coordenada das organizações de Direitos Humanos:
v  O consumidor de droga (mesmo quando se torna, pela necessidade de seu vício, colaborador dos traficantes) é vítima de uma doença de adição. Punir alguém por estar doente é uma amostra de medievalismo, como acontecia nas épocas em que a igreja considerava que o doente era amaldiçoado por Deus.
v  Nem sempre o consumo de droga é claramente autoagressivo, embora possa tornar-se, se for exagerado. Como veremos na seção seguinte, o consumo de álcool e de tabaco é entre 20% e 50% mais nocivo e viciante que o da maconha. Entretanto, alguns bebedores “sociais” afirmam estar experimentando um prazer, e negam que sua alcoolização seja uma autoagressão.
v  É totalmente oposto à democracia proibir a possibilidade de discutir um assunto, sobre o qual a mesma comunidade de direitos humanos não tem consenso. Pode proibir-se legalmente uma manifestação de racistas, de defensores da tortura ou da pena de morte, porque estes atos se propõem tornar a sociedade cada vez mais bárbara e cheia de ódios. (Nestes casos, porém, a justiça é complacente). Não pode, porém, proibir-se a discussão de um fato que, apesar de ter soluções duvidosas e conflitivas, não está ainda esclarecido, e se refere a ações (como fumar maconha) que são do foro íntimo da pessoa.
 Estes assuntos são muito complexos, e exigem uma cuidadosa análise dos diversos fatores que entram numa política de drogas: sanitários, sociais, criminológicos, éticos, psíquicos e políticos. Mas, quero apenas referir-me brevemente ao caso mais simples e mais comentado: o da cannabis sativa (maconha ou marihuana), que é o fantasma dos juízes e promotores de nossa ainda colonizada, medieval e teocrática sociedade.

Maconha: Apenas um Símbolo

A maioria dos observadores de esquerda tende a ignorar o peso da ideologia e dos tabus místicos na formação da mente dos repressores, especialmente daqueles que se consideram mais “iluminados”, como os membros do judiciário. Por esse motivo, nem sempre as pessoas entendem os motivos da sanha irracional dos inquisidores contra o simples uso da palavra “maconha”. O uso da cannabis não interfere na economia das altas elites, como acontece, por exemplo, com os entorpecentes pesados, que são responsáveis pela perda de capacidade produtiva de muitos trabalhadores (pelo menos, nos países onde há emprego e tal perda de mão de obra é sensível). Por outro lado, tampouco pode pensar-se num ato de “bondade burguesa”, tentando proteger os viciados dos danos a sua saúde.
É claro que a ingestão ou aplicação de qualquer tóxico é nociva (pela própria definição de tóxico), e que o estado deveria envidar os maiores esforços em educar as pessoas e cuidar de sua saúde mental, de maneira que elas mesmas não desejem utilizar este recurso. Mas, isso não é apenas diferente, mas exatamente o oposto de criminalizar a dependência e até perseguir aos que querem que se ofereça uma solução legal a esse problema. 
Com efeito, desde há pelo menos 5 décadas, os mais importantes centros mundiais da saúde investigam o potencial ofensivo da maconha em relação com outros entorpecentes, em particular com as chamadas “drogas legais”, como as bebidas alcoólicas e o tabaco. O problema tem suscitado centenas de pesquisas, onde se cruzam variáveis de todos os tipos, monitoradas por mecanismos de controle gradativamente mais robustos. É verdade que revistas de atualidade, programas de TV, magazines de divulgação pseudocientífica e outros veículos comerciais, têm aproveitado para criar confusão e apresentar dados de pesquisas nunca feitas, onde se mostra como a marihuana é mortal.
 Em 2007, o prestigioso semanário britânico Lancet (considerado a 2ª. mais importante revista de medicina geral do planeta) apresentou os resultados de uma investigação decisiva na área, cuja estatística aparece na figura acima. Vale lembrar que já foram publicadas mais de 2000 pesquisas nos últimos 20 anos, com resultados compatíveis com este, mas o extremo rigor das provas feitas pelos pesquisadores que dirigiram esta equipe, torna esta a mais importante de todas.
Como os pesquisadores usaram uma escala de quocientes, faz sentido comparar proporções. Então, pode afirmar-se que o tabaco é aproximadamente 20% mais nocivo (em termos físicos e não psiquiátricos) que a maconha, e o álcool mais ou menos 30% mais nocivo (em termos físicos; esta estatística não compara efeitos psiquiátricos, mas acredita-se que a intoxicação alcóolica seja pelo menos tão destrutiva do aparato cognitivo como o é a intoxicação com cannabis). Por sua vez, ambos são, respetivamente, 50% e 30% (aproximadamente) mais viciantes que o cannabis.
Não precisa comentário o efeito social do álcool em relação com a maconha, quando se enumeram os acidentes, brigas e atos violentos executados por pessoas sob a ação de bebida alcoólica, em comparação com os raros casos equivalentes gerados pela cannabis. A influência da maconha em catástrofes sociais, como acidentes ou crimes, só acontece quando os usuários tem contraído alguma disfunção psicológica, o que pode ocorrer, às vezes, em viciados crónicos, mas nunca é tão frequente como em alcóolatras ou cocainômanos. A robustez destas estatísticas e bastante verificável, mas, mesmo que deixem alguma dúvida, não seria muita ingenuidade conferi-lhes algo mais de credibilidade que às conclusões que os magistrados tiram do código penal para provar qualquer afirmação, inclusive de tipo médico.
Por que, então, o álcool e o cigarro não carregam o mesmo estigma da maconha? De fato, o cigarro tem perdido numerosos adeptos, mas as bebidas alcoólicas são ardorosamente propagandeadas. Este é um ponto no qual joga um papel importante a ideologia da direita, e não apenas seus interesses econômicos. Se fosse apenas por estes interesses, muitos governos do mundo imitariam à Califórnia, tentando descriminalizar a maconha, para depois poder vender “grifes” de cannabis, e amassar fortunas como as dos donos das adegas. Nesse caso, teríamos nas redes de TV brasileira propagandas de fumadores de maconha nas praias e nas baladas.
No caso da maconha e de outras drogas que alteram o sistema cognitivo, a proibição, perseguição e violenta repressão têm muito mais a ver com a ideologia do aparato repressivo, especialmente do judiciário, que com lucros e vantagens materiais.
É um fato notório há dois séculos, que a principal base da repressão exercida sobre os povos pelas tiranias, exércitos e corpos policiais é de tipo místico e teocrático. Esta afirmação tem sido questionada mostrando o caráter ultrarepressivo do stalinismo e o maoísmo (autoproclamados ateus), mas deve ter-se em conta que esses sistemas construíram uma mística não tradicional, endeusando heróis, políticos e partidos, e sacralizando causas abstratas (nacionalismo, stakhanovismo, sacrifício, etc.). Apesar de sua suposta secularidade, sua ideologia é fortemente mística, cheia de venerações simbólicas, bandeiras, hinos, uniformes, marchas, homenagens e funerais.
De fato, nenhum sistema repressivo em grande escala até agora conhecido tem sido totalmente secular. Essa religiosidade da repressão leva de forma direita à caçada de bruxas dos consumidores de “entorpecentes”, mas também a sacralização das drogas ditas “nobres”, especialmente a bebida. Os entorpecentes, principalmente a maconha e os alucinógenos, não são vistos pela direita como colegas do álcool e o tabaco, pois o consumo destes últimos é considerado hábito digno e não vícios.
Os “entorpecentes”, especialmente aqueles que modificam a percepção sensorial (mescalina, LSD, peyotl e, de maneira diferente, a maconha e o harsh) foram usados muitas vezes como símbolo de desafio ao sistema, e incorretamente associados à liberdade sexual. (De fato, algumas destas drogas desinibem para a realização do ato sexual com desconhecidos, mas o fato de precisar usar fármacos para conseguir a “coragem” não é um sintoma de libertação sexual, mas, pelo contrário, é um sinal de personalidade reprimida).
Embora Santo Agostinho e outros famosos teólogos criticassem o excesso de álcool, as bebidas alcóolicas sempre estiveram presentes nos rituais cristãos. O vinho, por exemplo, é considerado tão nobre, que na mitologia católica ele pode ser transformado em sangue divino durante a missa. Aliás, bebidas fortes foram prezadas desde há milênios, como símbolo da virilidade e a belicosidade, e recomendada para aumentar a eficiência na guerra. No militarismo atual, o álcool segue sendo privilegiado, embora, nos EEUU, esteja concorrendo com drogas “ilegais” para aumentar o espírito assassino dos combatentes e torturadores. Nas elites mais parasitas e bizarras (que não são todas), é conhecida a adoração de certas bebidas, e até a formação de “sociedades secretas” de experts em degustar licores e outras bobagens.
O tabaco é uma descoberta mais recente, mas foi rapidamente adotada como símbolo de status, de mentalidade sisuda e de sucesso econômico. Os entorpecentes, pelo contrário, foram importados inicialmente de Oriente, ou de países cálidos da América, cujas culturas eram desprezadas pelos brancos e cristãos. Usados primeiros por árabes, chineses e índios, depois foram consumidos por boêmios, artistas e hippies, tornando seu caráter “provocador” ainda mais incômodo. Claro que os tribunais não mencionam que os maiores consumidores de drogas caras são as altas elites, e que as enormes fortunas geradas por sua venda é lavada pelos grandes bancos. Os magnatas que fazem possível o tráfico de drogas são justamente aqueles que recebem permanentes benefícios das sentenças judiciais.
A perseguição contra as drogas, usada em vez de um racional esvaziamento do tráfico e de recuperação dos viciados, é uma das mais cínicas e infames encenações da justiça latino-americana, entre as muitas que cultua seu zelo inquisitorial.
A solução universal ao problema das drogas está muito próxima ao modelo holandês, que deve ser, no entanto, melhorado, colocando a distribuição direta das substâncias sob o controle das secretarias de saúde das comarcas, e não dos coffee shops que fazem a distribuição no varejo. Aliás, para a política de HM seria necessário um permanente monitoramento médico: embora não possam liberar-se drogas de maior poder ofensivo, como a cocaína e a heroína (vejam o diagrama acima), deve ter-se em conta que a redução de heroína para cocaína já é uma minimização de dano, e o risco deve ser assumido.
Os holandeses têm conseguido manter o consumo individual de maconha fora do poder dos grupos econômicos e os traficantes, mas isso pode não acontecer em outros países e é necessário garantir o caráter social e controlado da distribuição de droga. Muitos pensam, com enorme razão, que se a descriminalização da droga fosse adoptada no Brasil, logo apareceriam numerosos empresários fabricando “a melhor maconha do mundo”. Mas, isto é parte do mesmo problema: a corrupção do poder público e a ausência de um estado que faça algo diferente que espancar e torturar a população.
Nos experimentos que foram feitos na década de 1970 nos drug aids de Montreal (únicos dos que tenho algum conhecimento íntimo), a redução de dano para drogas pesadas variava entre 10 e 15% sem recidivas, e algo mais do que isso com recidivas esporádicas. Na época, os casos sem solução ainda eram maioria, mas dados que conheço de segunda mão mostram que há uma tendência a que o grau de recuperação seja cada vez maior.
Se no Brasil isto não acontece, as causas são fáceis de encontrar. Por um lado, a brutalidade da repressão força o tráfico a adquirir as formas mais violentas de criminalidade, o que não acontece em Canadá nem na Europa Ocidental, salvo na Itália e na Península Ibérica.
Quem duvida honestamente disso, precisa apenas pegar as estatísticas da Interpol, da DEA ou as notícias dos jornais sérios (especialmente britânicos), e verá que o tráfico nos países mais avançados da Europa e ínfimo, se comparado com o que existe na América Latina.
A desmoralização do tráfico deveria conseguir-se mediante o corte da lavagem de dinheiro nos grandes bancos. Isso explica a diferença entre, por exemplo, a Noruega (onde não há uma política tão liberal sobre drogas como na Holanda, mas o consumo de droga tem também diminuído), com a Espanha, onde o uso de drogas causa estragos e, ao mesmo tempo, é o país europeu onde os bancos são os maiores processadores de fundos do tráfico. Por sua própria natureza, a banca do mundo todo se enriquece com negócios criminosos como tráfico de armas e drogas, mas em alguns países existem alguns controles, dentro do que é possível no capitalismo.
Outro fator grave em Brasil é a desmedida corrupção judicial, policial e política (que também existe, em outras proporções, nos EEUU), que torna à polícia um distribuidor secundário daquela porcentagem da droga que “desapropria” dos traficantes. A atual política de repressão, não apenas contra o tráfico, como contra o uso, e até contra o emprego da palavra “maconha” (um fetichismo típico das mentalidades mais atrasadas e supersticiosas do século IX) o único que pode conseguir é tornar este país ainda mais violador dos direitos humanos. Atualmente, muitos pensarão que impossível ir mais longe, mas não nos enganemos.
O desprezo tradicional pelos direitos humanos, também se fez sentir na área das drogas, já que o viciado é uma vítima dos interesses que movem o tráfico. Em particular, os voluntários de grupos que lutam contra a adição e se esforçam por recuperar os viciados, se queixam da absoluta indiferença, quando não desprezo e até perseguição, das autoridades.
Entretanto, nestes últimos tempos surgiram algumas esperanças. Parece que a sociedade civil tenta se reorganizar, depois de décadas de combate aos direitos humanos, de ironias dos governos, de desmoralização dos movimentos sociais que nos últimos 15 anos se tornaram quase invisíveis. Uma manifestação de 4000 é muito para uma sociedade repressiva, paralisada, manipulada pela mídia e dominada por gangues teocráticas paleolíticas. O reconhecimento do STF da união civil gay é um sinal de que até esta instituição é capaz de entender que é difícil viver estando a contramão da humanidade e atuando apenas como servidor de castas tradicionais.
Pessoalmente, vejo provável um lento recuo do obscurantismo das instituições nacionais e um discreto avanço da mentalidade humanitária em algumas décadas. Quem viver, verá! Um passo importante para isto poderá ser a criação de um escritório de Anistia Internacional no Brasil ainda este ano, como fora anunciado pelo Secretariado Internacional, e pessoalmente por seu chefe Salil Shetty, na visita que fez ao país em maio.
Este será um grande desafio para o Conselho de nossa ONG, já que o Brasil oferece muitas dificuldades. O Brasil não é o país mais difícil do mundo, mas Anistia não está instalada em todos os países, senão apenas em 52 que oferecem moderadas garantias de poder trabalhar (isto não quer dizer que esses países sejam paraísos dos direitos humanos, mas, pelo menos, sua situação é tolerável).
Já uma tentativa anterior, em 1986, não teve sucesso. Nessa data, ativistas de Direitos Humanos obtiveram autorização de Londres para abrir uma seção no Brasil, que contou com alguns devotados militantes como Rodolfo Konder, José Arbex, Marcelo Centenaro, Claudia Duarte (atual responsável pela Rede de Ação Urgente em português), e alguns outros, entre eles, membros de Tortura Nunca Mais.
Mas, em pouco tempo, grupos empresariais bem organizados, com o apoio de alguns funcionários do 2º escalão da ditadura, da grande mídia e de setores confessionais, conseguiram tomar por assalto a organização, com um propósito duplo: (1) torna-la numa empresa lucrativa para eles (como fez a indústria do brinquedo, propagando falsas campanhas sobre os DH das crianças), (2) distorcendo a imagem dos DH, anulando assim os efeitos que a ONG pretendia ter sob a sociedade. Quando Londres percebeu a situação, através de denúncias que vários membros fizemos, apareceu também a sempre presente cumplicidade do judiciário, que impediu a dissolução da organização e se recusou a condenar os que usavam seu nome impropriamente. Só em 2001 foi possível fechar esta falsificação.
Confio em que, tendo em conta esse fato (o único fracasso da organização no mundo), e a presença de uma equipe que conhece bastante bem o Brasil, desta vez dê certo, porque a luta pelos direitos humanos no Brasil apenas está, por enquanto, na avançada constituição brasileira (cujos preceitos não se cumprem), e nos planos de DH, sempre sabotados pela direita. A luta real, institucional e física recém começa.

O DEP. GIANNAZI PROPÕE QUE O ENTULHO AUTORITÁRIO VÁ PARA O LIXO

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Por Celso Lungaretti, no blogue Náufrago da Utopia

O combativo deputado Carlos Giannazi (PSOL) ficou inconformado com o alinhamento explícito da Rota à quartelada de 1964 e com seu indisfarçável orgulho ao relatar o papel que desempenhou na perseguição de quem resistia ao arbítrio, expressos na página virtual desta unidade da Polícia Militar.

[É inaceitável que tal entulho autoritário seja mantido no ar, com o dinheiro dos contribuintes, no portal do Governo paulista, daí a petição on line que lancei para  exortar as autoridades a honrarem os seus compromissos democráticos.]

No último dia 19, Giannazi deu entrada, na Assembléia Legislativa de São Paulo, a um projeto de lei (nº 509) com "orientações de memória histórica para denominação de próprios públicos" e outras providências.

Se aprovado, ficará "proibida a denominação de prédios, rodovias e repartições públicas estaduais com nomes de pessoas que tenham praticado ou sido historicamente consideradas como participantes de atos de lesa-humanidade, tortura ou violação de direitos humanos".

A denominação de prédios, rodovias e repartições públicas estaduais terá necessariamente de passar pelo crivo da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, para análise do histórico do homenageado.

E, no prazo de um ano, o Poder Público estadual será obrigado a mudar o nome de logradouros, instalações e edifícios públicos, bem como retirar "placas, retratos ou bustos que enalteçam a memória" de estupradores dos direitos humanos, "notadamente durante o período da ditadura militar".

Nas justificativas, Giannazi destaca, como principal objetivo da lei proposta, o de "assegurar que a realidade histórica seja preservada  e resgatada em sua integralidade, excluindo denominações heróicas àqueles que não o foram – ao contrário, com suas ações, além das violações e agressões individuais, permitiram o atraso na construção dos direitos humanos no Brasil".

A iniciativa é merecedora do apoio de todos os verdadeiros democratas.

VOCÊ - MARCELO ROQUE



Você

Tinha que ser você,
ninguém mais, só você
Pois não reconheceriam meus olhos
outras cores, senão,
as dos olhos seus
Não reconheceria meu corpo outros toques
que não viessem de suas mãos
Não reconheceriam meus lábios
outros beijos
que não partissem de sua boca
Tinha que ser você
para que tudo fizesse sentido
Para que tudo se alinhasse de tal forma
que não restasse dúvida alguma
Tinha que ser você, só você,
para que os astros se reconhecessem
Para que as dores e alegrias
tivessem razão de ser
Pelos meus erros e acertos,
pelos filhos que nem vieram
Por mim, por você,
pelo amor, por nós ...
Tinha que ser você, só você ...

Marcelo Roque

Http://recantodasletras.com.br/autores/marceloroque

UM SÁBADO SEM LIBERDADE EM SÃO PAULO

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Antes era assim...
O Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo continuam equivocados quanto ao ano em que vivemos.

É preciso alguém informar aos distintos promotores e magistrados que 1971 passou há muito tempo: quatro décadas depois, eles se comportam como se ainda estivessem no Brasil de Médici.

Ou, pior ainda, na Alemanha de Hitler.

Só que nós outros não embarcamos em nenhum túnel do tempo -- muito menos num regressivo, direcionado para o que de pior existiu. Então, EXIGIMOS respeito aos nossos direitos direitos civis.

Correu muito sangue para nos livrarmos da última ditadura. Não precisamos de outra, nem deixaremos que seja implantada a conta-gotas.

Esta é uma situação em que cai como uma luva o que Henry David Thoreau pregou. Quem representa o espírito de Justiça somos nós, que prezamos a liberdade. Eles, os guardiães da letra da Justiça, estão sendo representantes apenas do imobilismo e do mais tacanho autoritarismo.

Agora é assim. Igualzinho.
Cidadãos de país democrático tem pleno direito de manifestar-se favoravelmente à liberação da maconha, embora isto lhes tenha sido ARBITRARIAMENTE proibido na última semana; de defender a liberdade de expressão sem serem massacrados por  otoridades  bestiais, como o foram no sábado passado; e de pregar, pura e simplesmente, liberdade, como pretendiam fazer neste sábado.

É de primarismo e obtusidade extremos confundir isso com "induzimento ao uso de drogas". Trata-se, repito, da mesmíssima retórica EVASIVA e FALACIOSA que justificava sequestros, torturas, estupros, execuções e ocultação de cadáveres durante o regime dos generais.

Não passarão.

NÃO PASSARÃO!

CRUZADO?! PÉRSIO ARIDA ESTÁ MAIS PARA BRANCALEONE...

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Quando a revista Piauí publicou um relato de Pérsio Arida sobre sua militância e prisão nos anos de chumbo, fui o primeiro a apontar omissões significativas que ele cometeu, não hesitando em qualificá-las de  convenientes.

Mas, pouco me importava o conjunto da obra. Não dava importância ao Pérsio em 1968/69, continuei não dando quando ele foi um dos pais do pirotécnico Plano Cruzado e nem dou agora. Só não quis deixar sem resposta a oportunista e infame utilização da tragédia do Massafumi Yoshinaga como azeitona de sua empada.

Alertei a Piauí de que o Pérsio fora desonesto ao dar aos leitores a impressão de que seus contatos com o Massafumi se resumiram a tê-lo abrigado quando já estava sendo intensamente procurado pela repressão em 1969 e a uma preleção que ouviu dele no DOI-Codi em 1970. Na verdade, haviam sido companheiros de militância no movimento secundarista e, ao longo de 1968, encontravam-se em toda passeata, em cada assembléia, nas mais diversas atividades. Dificilmente passavam uma semana sem se verem, por um ou outro motivo.

Pior: a Frente Estudantil Secundarista, à qual os três pertencíamos,  rachou  no fim do ano e o Pérsio e o Massafumi se posicionaram em campos opostos, com toda a carga de ressentimentos decorrente.

Ou seja, o Pérsio não só escondeu que tinha militado com o Massafumi durante aproximadamente um semestre, como também que separaram-se na condição de adversários rancorosos.

Então, embora aparentasse isenção em suas observações sobre o Massa, o Pérsio bem poderia estar até hoje se vingando do coitado, três décadas e meia depois do seu suicídio. Foi algo que me ocorreu ao notar as sucessivas e antipáticas referências a ele como "o nissei", uma forma de marcar bem a distância entre o  normal  e o  diferente. Tais sutilezas não passam despercebidas para quem é do ramo.

A Piauí ignorou olimpicamente minha mensagem, embora eu estivesse falando de acontecimentos dos quais participei ou que testemunhei.

Pagou o preço de sua arrogância: ao invés de haver sido a primeira a admitir que o artiguete do Arida não era totalmente confiável, foi apanhada de calças curtas pela sua refutação na Folha de S. Paulo -- e por ninguém menos do que o torturador-símbolo do Brasil (o único que teve tal condição declarada em sentença judicial), Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Evidentemente, o texto do Pérsio não equivale, como o Ustra coloca, a "27 páginas de situações imaginárias, fictícias e delirantes". Mas, o que nele há de verídico vem mesmo misturado com algumas fantasias.

Ao incorrer em tais imprecisões -- algumas  forçações de barra  para melhor compor a  imagem que queria projetar de si próprio --, o Pérsio levantou a bola para o inimigo marcar o ponto, apresentando-o como mentiroso ("Muitas dessas 'lembranças', sem datas, sem nomes, não correspondem à verdade") e, portanto, colocando sob suspeição o que ele narrou de chocante sobre a ditadura.

Resumo da opereta: pegando uma carona no interesse despertado por uma telenovela e pela ascensão de uma ex-guerrilheira à Presidência da República, o Pérsio pousou de paraquedas numa praia que há muito deixou de ser a dele. Fez sangrarem nossas velhas feridas e, ainda por cima, deixou-se desmoralizar por um dos piores carrascos da ditadura. 

O saldo foi exatamente o mesmo do Plano Cruzado (aquela pajelança econômica a partir da qual a inflação disparou para 86% ao mês, 2.751% ao ano): perda total.

Obs.: o personagem citado no título e mostrado na foto do topo é o que Vittorio Gassman interpretou na obra-prima cinematográfica de Mario Monicelli, O incrível exército de Brancaleone, 1966, e sua sequência, Brancaleone nas Cruzadas, 1970. Trata-se de um  cavaleiro da triste figura  das telas, que nos proporcionou boas risadas. Já os da vida real só nos fazem chorar...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

IMPULSO ELÉTRICO - MARCELO ROQUE




Impulso Elétrico

Ao te ver,
entre os neurônios,
saltam os meus versos
Eletrizados ... de tanto amor

Marcelo Roque

Http://recantodasletras.com.br/autores/marceloroque

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A CORRUPÇÃO TAMBÉM NA LÍNGUA

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Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

(Olavo Bilac)


Quando erramos, erramos. Ou não erramos? Há quem pense que uma república, por ser coisa do povo – res publica – no ensino da sua língua deve acompanhar a pobreza mental de quem não sabe ler, escrever e falar. O raciocínio parece ser o seguinte: se a maioria do povo não sabe falar (muito menos ler e escrever) o português correto, adote-se o não falar corretamente, o não escrever corretamente como sendo o correto, porque a maioria deve mandar no país, uma vez que a República deve pertencer ao povo.

     E assim pensando, os professores do MEC, do alto das suas altas graduações de pós-pós-doutorado, patrocinaram a edição de um livro didático que ensina que o errado também poderá ser certo, desde que você saiba falar (e talvez escrever) apenas o errado. A idéia é dizer ao povo, em sua grande maioria, que ele manda, mesmo que não saiba pensar, raciocinar e articular uma frase em português correto. Porque o correto poderá estar errado e o errado poderá estar certo, desde que o povo assim decida.

     O volume Por Uma Vida Melhor, da coleção Viver, Aprender, mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância. Os autores usam a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em outro exemplo, os autores mostram que não há nenhum problema em se falar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”. Segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.

     Mais um ato de demagogia tipicamente petista. É mais fácil concordar com o que está errado do que ensinar o que é certo. E assim teremos uma segunda língua, alternativa aos analfabetos funcionais, que lembrará o português. E ficará tudo mais fácil para todos. Para que ensinar concordância, regência, análise sintática, que é tão difícil até para os professores? Morfologia...Sintaxe... E os verbos... São tão infinitivos que a sua tendência será desaparecer no infinito. É muito difícil aprender português. Então, para que aprender?

     Convenhamos, a linguagem vem em primeiro lugar, depois é que a língua é formada. Você pode se comunicar através de gestos, olhares, sons guturais e, desde que consiga fazer-se entender dentro do seu grupo social através de uma linguagem primitiva que facilitará essa comunicação... estamos conversados. Daí, para entender a língua conseqüente a essa linguagem e outras complicações ortográficas e gramaticais, deixemos isso para os idiotas que gostam de ler e de escrever. Vamos falar brucutu, inventar o nosso patoá. É mais fácil.

     É mais fácil, também, corromper e ser corrompido e estamos no Brasil onde quem não é corrupto é considerado bobo. Então, vamos corromper também a língua, para que fique bem entendido que a corrupção faz parte da nossa linguagem e entendimento enquanto brasileiros.

     Temos ótimos exemplos de corrupção também no modo de falar dos nossos presidentes. Lula não sabe falar e quando diz alguma coisa, como, por exemplo: “cumpanheiros, nóis tamu aquipra verquenhé qui póde mais!”, é perfeitamente entendido e ovacionado delirantemente pelos seus iguais. É uma língua própria, que está pegando e agora está sendo gramaticalizada, tamanho o exemplo do nosso ex-presidente. E a nossa presidente, que prefere ser chamada de ‘presidenta’, tem o seu próprio linguajar, que alguns apelidaram de “dilmês” – tão graciosa é a maneira como se expressa. Graciosa e ininteligível, muitas vezes, mas graciosa. E o exemplo sempre vem de cima.

     Mesmo que o que venha de cima seja um cacho de bananas na nossa cabeça, indicado pelos especialistas em cachos de bananas para parar o raciocínio supérfluo. Além disso, banana é rica em potássio e fibras. E precisamos de fibra para agüentar este demagógico e corrupto Brasil.

     Tão demagógico que de tanto falar em Paulo Freire, autor de “A Pedagogia do Oprimido”, o PT fez exatamente o contrário: ensina aos oprimidos que a opressão faz bem. E diz a eles que podem optar por continuar como oprimidos até na língua, se assim desejarem. Para não correrem o risco de preconceito lingüístico, poderão criar a sua própria língua – baseada na gíria e na preguiça mental. E, teoricamente, falando e escrevendo como quiserem, os oprimidos se sentirão livres de qualquer preconceito lingüístico. E colocarão a si mesmos em um guetto mental e cultural.

     Mas como os oprimidos não sabem que são oprimidos, porque a pedagogia da ditadura civil continua a ser a mesma pedagogia da opressão da ditadura militar, e não a pedagogia proposta por Paulo Freire, acreditarão que falar e escrever de qualquer jeito é uma forma de liberdade. Só não sabem, e continuarão a não saber, que, na verdade, é mais uma maneira de opressão e de discriminação. Já não basta ser pobre e excluído; é necessário que fale e escreva errado, com o aval e os sorrisos do governo. Ghetto cultural.

     Na verdade, não importa ao Governo educar corretamente os jovens e adultos. Importa que passem de ano de qualquer maneira e corram para o mercado de trabalho, ostentando o seu diploma. Quanto mais pessoas procurando emprego, menor será o salário, devido à grande concorrência por vagas. É a lei da oferta e da procura também para o trabalhador.

     Às vezes, quando assisto a um programa sobre a realidade dos países latino-americanos fico surpreso com a facilidade e riqueza de vocabulário com que os irmãos à nossa volta falam o espanhol, com pequenas diferenças de país para país, que não chegam a se configurar em dialetos, mas diferenças como o nosso português do Brasil em relação ao português de Portugal, Angola, Moçambique, etc. E as pessoas entrevistadas são simples, às vezes muito pobres, mas cultuam a sua língua como quem cuida de um filho, porque falar bem a própria língua – embora o atual Ministério de Educação e Cultura pense o contrário – é uma questão de cultura.

     E não percebo que usem gíria. Não tanto como nós. Eles gostam de falar espanhol, de se expressar em espanhol. Não tratam a sua língua como um estorvo, exatamente como nós, ou conforme as últimas orientações do MEC. Mas aqui é uma questão de corrupção até na língua.

     Também gosto de ler os livros em português de Portugal, como os romances de Saramago, que tão suave e agradavelmente sabia se expressar, e percebo o quanto perdemos não só em vocabulário como em amor à nossa própria língua e que a nossa distância de Portugal não é somente física.

     Porque um povo que não ama a própria língua não pode amar a si próprio.

     À medida que esse desamor aumenta, diminui a sua auto-estima, diminui-se ante si mesmo. E passa a falar e a escrever atravessado, como nas mensagens da Internet, e a desfazer-se do seu orgulho e a sentir-se pequeno, muito pequeno e a adotar outras línguas, como o inglês, por entender, em sua sublime ignorância, que falar corretamente o português é errado. E o errado passa a ser o certo e a identidade nacional dilui-se.

     Talvez seja este o objetivo final deste governo que vai para dez anos: acabar com o que resta de orgulho pátrio. Porque pessoas sem qualquer orgulho, sem referências que não sejam as chuteiras e os cabelos dos jogadores de futebol, são mais fáceis de manipular.

Fausto Brignol.

VOCÊ - MARCELO ROQUE



Você

Tinha que ser você,
ninguém mais, só você
Pois não reconheceriam meus olhos
outras cores, senão,
as dos olhos seus
Não reconheceria meu corpo outros toques
que não viessem de suas mãos
Não reconheceriam meus lábios
outros beijos
que não partissem de sua boca
Tinha que ser você
para que tudo fizesse sentido
Para que tudo se alinhasse de tal forma
que não restasse dúvida alguma
Tinha que ser você, só você,
para que os astros se reconhecessem
Para que as dores e alegrias
tivessem razão de ser
Pelos meus erros e acertos,
pelos filhos que nem vieram
Por mim, por você,
pelo amor, por nós ...
Tinha que ser você, só você ...

Marcelo Roque

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