A Páscoa cristã, este ano, quase coincidirá com a Páscoa judaica. A páscoa judaica é celebrada de 19 a 26 de abril e a páscoa cristã de 21 a 24 de abril, sendo que o dia exato é 24 de abril. Se houvesse a coincidência entre as duas páscoas, isso seria considerado quase como um sacrilégio pela Igreja Católica e demais igrejas cristãs.
Para que nunca houvesse essa coincidência, a Igreja Católica transformou a Páscoa numa festa móvel com o decreto do papa Gregório XIII (Ugo Boncampagni, 1502-1585), Inter Gravissimas em 24.02.1582, seguindo o primeiro concílio de Nicéia de 325 d.C., convocado pelo imperador romano Constantino. A data de Páscoa foi definida como o primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera (no hemisfério Norte). Esta data é muito próxima a 14º dia de Nisan. No caso de a data assim determinada coincidir ou se antecipar à celebração da Páscoa judaica (14 de Nisan), a Páscoa cristã deve ser adiada em uma semana para que seja conservada a analogia com a sucessão dos fatos históricos.
Mesmo havendo uma fórmula para determinar a Páscoa a cada ano, tornando-a distante ao menos uma semana da Páscoa dos judeus, o curioso e quase alarmante para os cristãos é que este ano quase coincidiu e a Igreja nada fez a respeito, ou seja, não adiou a Páscoa de uma semana, como seria o correto. Talvez essa inação por parte da Igreja seja consequência direta das tentativas de ecumenismo, o que pode parecer bom na aparência, mas poderá levar o Cristianismo novamente a diluir-se dentro do Judaísmo, perdendo a sua razão de ser.
Novamente, porque nos primórdios do Cristianismo, quando da feitura da Bíblia – erradamente chamada de Bíblia cristã – juntou-se a ela, além dos 27 livros do Novo Testamento, incluindo, muito mais tarde, o Apocalipse, os 46 livros, atualmente considerados canônicos da religião judaica, chamados de Velho Testamento – que incluem o Torá ou Pentateuco , os Livros Históricos, os Livros Poéticos ou Sapienciais (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos – algumas outras igrejas cristãs adotando os livros Sabedoria e Eclesiástico) e os Livros dos Profetas. Além desses livros, considerados canônicos ou aceitos como verdadeiros pelas duas religiões, ficaram de fora 52 livros do Velho Testamento e 61 livros do Novo Testamento – todos considerados apócrifos.
Mas os livros que são a base da religião judaica, ou Velho Testamento, nada tem a ver com o Cristianismo. Foram adotados pelos cristãos, em momento de confusão quanto à verdadeira mensagem de Jesus, ou de tentativa de proselitismo entre os judeus. A própria religião judaica é completamente diferente da religião cristã. A única relação que existe com o Cristianismo é o fato de Jesus ter sido Judeu, porque a mensagem que ele passou é oposta à da religião dos judeus.
Ele disse que deixava aos seus seguidores apenas dois mandamentos: 1º Amar a Deus sobre todas as coisas; 2º Amar ao próximo como a si mesmo. Nada mais. E no momento em que ele falou isso, deixou claro que os dez mandamentos da religião judaica não tinham mais validade. Também colocou o amor no condicional: devemos amar ao próximo na mesma medida em que amarmos a nós mesmos. Se não gostarmos de nós, nunca poderemos amar, verdadeiramente, aos mais próximos. Ele era um judeu, submetido às leis do seu país, como todo judeu, mas trazia uma nova mensagem, que foi a mensagem do amor, da paz e da igualdade.
Nada tenho contra a religião dos judeus, que foi criada para unir um povo nômade e forjar uma raça. Mas o deus Judeu, Javé, era chamado de “Deus dos Exércitos”, enquanto Jesus pregava a paz. Em nenhum momento do Novo Testamento é encontrada a palavra Javé, ou Jeová. Jesus, ao referir-se a Deus falou de um deus de bondade, a quem deu o nome de Pai e que está sempre pronto ao perdão. O deus Jeová dos judeus, de acordo com o Velho Testamento, mandava matar a todos os inimigos da nação hebraica e quando o primeiro rei judeu, Saul, desobedeceu essa ordem, depois de uma batalha, foi destituído da sua realeza.
No entanto, as igrejas cristãs pregam o Judaísmo junto com o Cristianismo, o que é um absurdo. Isto, graças ao fato de que o livro que deveria pregar unicamente a mensagem de Jesus – a Bíblia – foi unido ao chamado “Velho Testamento”, que prega a mensagem do Judaísmo. E uma religião que estava confinada a uma raça, por vontade explícita dessa raça, e que somente era divulgada entre os membros dessa raça, em uma faixa estreita do Oriente Médio, graças ao Cristianismo é conhecida pelo mundo inteiro.
Porque o Cristianismo foi – e continua sendo - o principal veículo de divulgação do Judaísmo.
A Páscoa da religião judaica significa “passagem” ou “libertação", porque, segundo a fé dos judeus, o seu deus os teria tirado do Egito no dia 14 do mês de Nisan do ano 5771, de acordo com o calendário judaico. Naquele dia, depois de muito insistir com o Faraó para que o povo judeu pudesse sair do Egito, Jeová teria mandado o seu anjo para matar todos os primogênitos das famílias egípcias. Enquanto os egípcios choravam os seus filhos, os judeus foram embora, depois de um jantar que incluía um cordeiro assado e pão sem fermento.
Desde aquele dia, os judeus comemoram esse feito no dia 14 do mês de Nisan.
Os cristãos faziam o mesmo, nos primórdios do Cristianismo, porque os primeiros cristãos eram judeus. E provavelmente Jesus participou muitas vezes da celebração da páscoa judaica. A última vez foi chamada de Santa Ceia, ou Última Ceia, quando Jesus disse que ele era, doravante, o cordeiro de Deus, aquele que tirava os pecados do mundo. E disse que o pão que eles estavam comendo era o seu corpo, o corpo do cordeiro de Deus, e que o vinho que estavam bebendo era o seu sangue, o sangue do cordeiro de Deus. E pediu aos apóstolos que fizessem isso, seguidamente, para lembrá-lo. E foi naquela santa ceia que foi instituída a eucaristia.
O significado de eucaristia é "reconhecimento", "ação de graças". E uma celebração em memória da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Também é denominada "comunhão", "ceia do Senhor", "primeira comunhão", "santa ceia", "refeição noturna do Senhor".
O evangelista Lucas registrou esse mandamento da seguinte forma: "E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da Nova Aliança [ou Novo Pacto] no meu sangue derramado em favor de vós." (Lucas 22:19-20, e também Mateus 26;26-29, Marcos 14:22-25, I Coríntios 11:23-26).
Naquela noite ele foi preso, depois de ser entregue pelo traidor Judas Iscariotes ao Sinédrio, que era uma espécie de conselho maior da religião judaica. Os sacerdotes judeus o entregaram ao braço secular romano. Poncio Pilatos, que era o governador da Galiléia, entregou Jesus ao tetrarca da Galiléia, Herodes Antipas, alegando que Jesus era da jurisdição de Herodes, o qual, depois de humilhar Jesus de todas as maneiras, enviou-o de volta a Pilatos. Cabia a Pilatos a decisão. Jesus foi interrogado, açoitado e Pilatos não achou nele culpa alguma.
Naquele tempo havia o costume judeu de libertar um prisioneiro durante a Páscoa. Pilatos perguntou se queriam libertar Jesus ou Barrabás, que era um perigoso criminoso. Os judeus disseram que queriam que Pilatos crucificasse Jesus e que soltasse Barrabás. Pilatos lavou as mãos, simbolicamente, dizendo que estava isento daquele crime e que a culpa recairia sobre os judeus. Os judeus retrucaram dizendo que assumiam a culpa do crime.
Jesus foi crucificado na sexta-feira, véspera da Páscoa dos judeus, que era no sábado. Morreu e ressuscitou ao terceiro dia, no domingo, que passou a ser o dia sagrado dos cristãos, porque naquele dia Jesus venceu a morte.
Durante o I Concílio de Nicéia (325 d.C.), entre outras questões doutrinárias ficou estabelecido que a Páscoa cristã deveria ser celebrada separadamente da Páscoa judaica, porque os significados das duas Páscoas eram diferentes e também porque os judeus é que tinham mandado matar Jesus. Isso foi referendado pelo Concílio de Antioquia (341 d.C.) que proibiu os cristãos de comemorar a Páscoa junto com os judeus. Já o Concílio de Laodicéia (363 d.C.) proibiu os cristãos de observar o Shabbat e de receber prendas de judeus ou mesmo de comer pão ázimo nos festejos judaicos.
Assim, quando da instituição do Calendário Gregoriano, ficou fixado que a Páscoa aconteceria no primeiro domingo após a lua cheia que ocorre em ou logo após 21 de março. Sendo que 21 de março nem sempre é o dia do equinócio, mas para a Igreja era necessário encontrar um dia fixo, para basear a sua fórmula que estabelece a Páscoa a cada ano. Mas, principalmente, era importante que os dias da Páscoa cristã – a Semana Santa – jamais coincidissem com os dias da Páscoa judaica, porque o significado da Páscoa cristã difere completamente do significado da Páscoa judaica.
Mesmo que o Cristianismo tenha sido o veículo através do qual o Judaísmo ficou conhecido no Ocidente, devido à união da mensagem das duas religiões em um só livro, a Bíblia, são religiões diferentes com objetivos diferentes e mensagens quase opostas.
A religião judaica, de acordo com a lenda, foi criada pelo seu deus, Jeová ou Javé, para unir o povo judeu em torno do objetivo material de conquistar a Terra Prometida, que seria, hoje, a Palestina. Mesmo sofrendo todas as perseguições conhecidas através dos tempos, o judeus nunca se afastaram dessa linha religiosa e usaram-na para invadir a terra dos palestinos e confiná-los na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Com o apoio da ONU, que em 1948 criou o Estado de Israel em uma terra povoada por palestinos.
Mas o Cristianismo, ao contrário, não é uma religião materialista. Jesus costumava dizer: “O meu reino não é deste mundo”. E pregava aos seus seguidores a humildade, a paz, o amor e a busca da igualdade entre os povos.
Mesmo com todas as contradições e erros da Igreja através dos tempos, essa mensagem de Jesus atravessou os séculos e perpetua-se como o esteio espiritual do Cristianismo. Além disso, persiste o erro histórico de se considerar o deus dos judeus o mesmo deus que Jesus chamava de Pai – e passará ainda um bom tempo antes que esse erro seja suprimido de vez.
Nesta Páscoa devemos lembrar que a ressurreição está presente em todos nós. Como seres materiais devemos, naturalmente, morrer, mas mesmo a morte é a contraparte da vida conhecida e devemos encará-la como mais uma etapa a ser percorrida sem o corpo material. Talvez uma etapa de preparação para uma vida superior e mais espiritualizada.
O ovo da Páscoa - apesar da sua utilização comercial pelo nosso atual mundo mercantilista - simboliza a ressurreição, porque tudo está em tudo e a vida é eterna, em suas diferentes formas ou aparências. Mas o principal símbolo, eternamente vivo, que devemos sempre lembrar, é o deixado por Jesus através do seu sacrifício, para nos lembrar que a vida é muito mais do que a matéria conhecida e que a busca da transcendência deve ser uma constante em todos nós.
Ele disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, mesmo que esteja morto, viverá.”
Fausto Brignol.
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