Mas é incrível a alienação dos autodenominados intelectuais, no Brasil. Não se sabe de nenhum daqueles nichos culturais que abundam, principalmente nas capitais do nosso país, protestando contra a intervenção da OTAN em um país livre e soberano como a Líbia. No máximo, protestarão depois, quando souberem da verdade, o que de nada adiantará.
Tampouco se sabe de protestos dos intelectuais a respeito da construção de usinas hidrelétricas, como a de Belo Monte, no Pará, que liquidará com parte do Xingu, destruirá flora e fauna e afetará as populações indígenas. Nada, até aonde eu sei, nada. É de estarrecer.
É fato que a Academia Brasileira de Letras não pode ser considerada mais que um refúgio de intelectuais que tomam chá, depois da admissão do Sarney. E de outros políticos. Portanto, é óbvio que aquele lugar, apesar do nome pomposo, não é um lugar de intelectuais.
Mas aquelas pessoas, de todos os lugares do Brasil, principalmente as mais famosas, que escrevem, pintam, dançam, cantam, tocam algum instrumento, fazem teatro, novelas (ooops, novela não vale, foi mal), filosofam e que gostam de se reunir em grupos restritos pela classe social, para beber ou para fumar ou para simplesmente ficarem com os olhos nos olhos ou trocarem idéias, que usam o intelecto e se consideram intelectuais e que deveriam ser a força de uma nação (no mínimo, a força de reserva)... Como se mostram alienados!
Isso é muito triste! É claro que há exceções, mas são exceções. E essas exceções entendem o que eu quero dizer, porque devem lembrar que nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os intelectuais brasileiros nem gostavam de ser chamados de intelectuais; hoje, fazem questão. Não gostavam de ser chamados de intelectuais porque não queriam ser considerados como uma classe à parte ou acima do povo comum.
Mas hoje, depois que a luta contra a ditadura militar acabou, formaram-se aqueles nichos onde eles se escondem e se resguardam, amparando-se uns nos outros, talvez com medo de serem descobertos pelo povo.
Procuro descobrir a causa dessa alienação voluntária, e me pergunto se será apenas pela necessidade que eles sentem de elitizar a cultura. Apenas por isso, talvez não, mas eles não se sentiriam à vontade se não se considerassem a elite cultural do país. Uma elite distante também por sua classe social; alienada porque conquistou uma segurança material que a faz pequeno-burguesa em suas idéias. Será isso?
Ou será, também, porque a elite intelectual brasileira quer tanto copiar a elite cultural estadunidense e européia? Já perceberam o quanto os intelectuais brasileiros adoram viajar para a Europa e para os Estados Unidos e citar aquelas elites culturais, embora a cultura estadunidense tenha se estagnado há décadas?
Uma questão racial, também. Inconscientemente, talvez, mas também. Talvez em seu inconsciente coletivo os nossos intelectuais desejem muito esquecer a sua mestiçagem; talvez confundam cultura com cor branca, européia, estadunidense, e queiram copiar os tiques e manias e vícios daqueles povos, que esperneiam para sobreviver dentro da lama cultural que eles mesmos fabricaram.
E, talvez por esse respeito transcendental a tudo que venha dos Estados Unidos e Europa, não queiram sequer criticar – não denunciar ou engajar-se numa luta contra – mas simplesmente criticar os crimes do imperialismo.
E o imperialismo não está lá fora. Está aqui. O Brasil é um país que está se tornando imperialista em relação aos demais países da América Latina e em relação a muitos outros países do mundo. Um país que aceitou a doutrina neoliberal e que tem um governo estreitamente ligado às políticas dos Estados Unidos e da ONU - que é dos Estados Unidos.
Só um pequeno exemplo: depois dos dois dias de Brasil do Obama a presidente Dilma (tão ovacionada pelos intelectuais!) e seu governo resolveu entrar no jogo do império de condenar o Irã. Um pouco por vassalagem e outro pouco por desejar maiores ganhos internacionais.
E os intelectuais quietos. Quietos, mudos, cabisbaixos, fingindo que não é com eles, que não tem nada a ver com isso, que já cumpriram o seu papel protestando contra a ditadura militar naquela época, há trinta anos, e que os deixem em paz porque a sua produção está atrasada.
Ou os intelectuais se venderam?
É triste escrever isso, mas será que os intelectuais se venderam ao sistema? Vejam o caso do blog da Maria Bethânia. Através do Ministério da Cultura, Maria Bethânia vai ganhar seiscentos mil reais dos 1,3 milhão destinados à criação de um blog com os seus vídeos.
É o escândalo do momento, porque todos sabem que para fazer um blog não é necessário dinheiro. É tão simples que qualquer criança faz, sem gastar um pila.
Mas a Maria Bethânia, que é irmã do Caetano Veloso, que é muito amigo do Gilberto Gil (que foi Ministro da Cultura do Lula), que é muito amigo do Chico Buarque, que é irmão da atual Ministra da Cultura, Ana de Holanda... A Maria Bethânia teve um projeto para fazer um blog aprovado, via Lei Rouanet (uma lei de incentivo à cultura ou aos donos da cultura). Tudo entre eles.
Tudo dentro da legalidade, segundo a irmã do Chico, que é Ministra da Cultura. Claro, se há uma lei é usada essa lei, mas um blog não precisa ser custeado. E custeado pelo governo é mais suspeito ainda. Mas a irmã do Chico, a tal de Ana de Holanda, que está dando dinheiro para a Maria Bethânia dentro da lei também almoçou com o Barack Obama. Isso explica? Explica a ideologia, mas não justifica o escândalo.
Aquela turma do Chico e Caetano e Gil e Bethânia e tantos outros, além dos milhões que os veneram, não precisava disso. Pegou mal. Já vem pegando mal faz tempo. Lembro do Gil reclamando do pouco salário que iria ganhar no Ministério da Cultura, porque com apenas seis mil reais, (na época do primeiro mandato do Lula) não poderia sobreviver, porque tem família, etc. E lembro do Lula dizendo que o Gil, além do que iria ganhar no ministério, poderia fazer os seus shows, nas horas vagas, e ganhar mais um bom dinheirinho.
Intelectuais não estão isentos à atração por dinheiro.
Pelo menos, os intelectuais brasileiros. Os intelectuais são necessários ao sistema, porque tem milhões de fãs que aceitam tudo o que eles disserem e podem influenciar muita gente. Por isso o sistema os usa e paga muito bem. E intelectuais assim não protestam mais, tornam-se alienados, aceitando tudo o que o seu governo fizer.
E milhões tornam-se alienados junto com eles. O papel da atual intelectualidade brasileira é o de fabricar a alienação.
Antigamente era o contrário: eles lutavam contra a alienação. Bastava a OTAN se mexer e eles protestavam contra o imperialismo ianque. Agora esses intelectuais são amigos do imperialismo ianque. E do imperialismo brasileiro.
Somente para lembrar aos mais novos, que poderão pensar que ser artista, trabalhar com as idéias, aprender a pensar e criar um trabalho original é o mesmo que estar alheio à realidade que os cerca, ou acima dos demais, participando de uma casta especial do que foi convencionado chamar de ‘intelectuais’... – o artista é um trabalhador, que deve ser atuante a ponto de se transformar na vanguarda dos trabalhadores em todas as lutas sociais.
Porque arte é transformação, não estagnação. Aquele que faz arte deve ter um compromisso consigo mesmo de tentar ir além do que conhece. Caso contrário será apenas um repetidor de pensamentos e idéias já preestabelecidas. E deve ter um compromisso com o seu próprio povo na tentativa de transformar a realidade histórica. Caso contrário será apenas um contemplativo.
Mas muito pior que ser um contemplativo e um repetidor de idéias e pensamentos é ser um adesista, um cúmplice do sistema que engana e entorpece as pessoas; que mata, mutila e privilegia as castas, e que vende a idéia que estar acima, em um pedestal, ser individualista e desprezar o povo é o comportamento correto de um intelectual.
Fausto Brignol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário