É compreensível que partam do Exército as iniciativas para enquadrar a Comissão Nacional da Verdade: parafraseando a frase imortal de um ex-ministro da Justiça sobre um ex-torturador, foi a Arma que, durante os anos de chumbo, mais emporcalhou com o sangue de suas vítimas as fardas que deveria honrar.
Assim é que, conforme revelou O Globo, o Comando do Exército elaborou no mês passado um documento de críticas à Comissão da Verdade, endossado a seguir pela Marinha e Aeronáutica. Eis alguns trechos:
“O Brasil vive hoje situação política, econômica e mundial completamente diferente do momento histórico em que os fatos ocorreram. (...) Passaram quase 30 anos do fim do governo chamado militar e muitas pessoas que viveram aquele período já faleceram; testemunhas, documentos e provas praticamente perderam-se no tempo, é improvável chegar-se realmente à verdade dos fatos. Assim sendo, a criação de uma Comissão da Verdade não faz mais sentido, considerando que o Brasil superou muito bem essa etapa da sua história quando comparado a outros países do continente, que até hoje vivem conseqüências negativas de períodos históricos similares".
“O argumento da reconstrução da História parece tão somente pretender abrir ferida na amálgama nacional, o que não trará benefício, ou, pelo contrário, poderá provocar tensões e sérias desavenças ao trazer fatos superados à nova discussão".
Os militares admitem que as famílias dos desaparecidos políticos têm o direito de buscarem seus restos mortais, mas parecem querer o impossível, ou seja, que a evocação desses dramas chocantes não provoque a justa indignação dos homens de bem e alimente anseios por justiça:
“O que não cabe é valer-se de causa nobre para promover retaliações políticas e manter acesa questão superada".
PANOS QUENTES - Surpreendido com a divulgação ampla desse panfletinho produzido para mobilizar contingentes reacionários e intensificar pressões de bastidores, o representante da caserna no Ministério, Nelson Jobim, fez com que sua Assessoria de Comunicação Social emitisse nota de esclarecimento, bem na linha panos quentes. Eis o mais significativo:
1 - “O texto a que se refere a reportagem de O Globo não foi encaminhado ao Ministério da Defesa no mês passado, como menciona a reportagem. Os trechos constantes da matéria são, na verdade, retirados de informação enviada pelo Exército à Assessoria Parlamentar do Ministério da Defesa no mês de setembro de 2010" [Curioso documento este, que, segundo O Globo, é datado de fevereiro de 2011, mas supostamente teria sido escrito cinco meses antes... Enfim, nada muda, exceto que os militares teriam contestado a autoridade do presidente da República anterior e não da atual];
5 - “Há um entendimento perfeito entre os ministros da Defesa, da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos no encaminhamento da matéria, com a qual as Forças Armadas estão em absoluta consonância" [Acredite quem quiser];
6 - “A busca da memória é um compromisso assumido de forma definitiva por todos os integrantes do Ministério da Defesa e das Forças Armadas" [Assim como as raposas são as melhores guardiãs de galinheiros].
A presidente Dilma Rousseff, que está longe de ser ingênua, não engoliu tais arremedos de explicações e, nesta 6ª feira (11/03) quis saber de Jobim quais as circunstâncias em que o documento foi elaborado e as providências [nenhuma, evidentemente] tomadas pelo ministro da Defesa.
Além de insistir no blablablá evasivo da nota, Jobim garantiu a Dilma que a situação interna estava superada.[Sabe-se lá o que mais foi dito e acertado, pois as versões que nos chegam de reuniões deste tipo são sempre expurgadas e maquiladas...]
De qualquer forma, o episódio evidencia que a insubmissão militar continua existindo e que os altos comandantes das Forças Armadas, depois de terem pressionado fortemente os Poderes da República no sentido de que os responsáveis pelas atrocidades dos anos de chumbo continuassem impunes, agora exigem ainda mais: que os crimes sejam esquecidos!
OVO DA SERPENTE - Então, só me resta lembrar uma exortação que enderecei a Lula em circunstâncias semelhantes. Aplica-se perfeitamente à Dilma, pois continua sendo a postura mais indicada para lidar com os remanescentes e as viúvas da ditadura, almas penadas que têm nos quartéis o seu umbral:
“...não repita o trágico erro de João Goulart!
Jango assumiu o poder em função da resistência do povo e dos escalões inferiores das Forças Armadas, que abortaram o golpe de Estado em curso. Nem sequer precisaria ter aceitado o casuísmo parlamentarista, pois os conspiradores já estavam derrotados.
E, mesmo quando o povo lhe restituiu a Presidência plena, não tomou nenhuma atitude contra o núcleo golpista. Pelo contrário, omitiu-se quando os comandantes fascistas expurgavam as Forças Armadas, punindo e isolando os bravos sargentos e cabos que haviam frustrado a quartelada de 1961.
Deu no que deu: o golpe tentado em 1961 foi repetido, dessa vez com êxito, em 1964.
Então, (...) esmague o ovo da serpente enquanto é tempo! Os totalitários não são hoje maioria nas Forças Armadas, nem de longe. Pague para ver, que as tropas deixarão a alta oficialidade falando sozinha.
Como comandante supremo das Forças Armadas, faça o que precisa ser feito...
O quadro político está sempre sujeito a mudanças: adiante, as medidas saneadoras poderão custar muito sofrimento".
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