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domingo, 23 de janeiro de 2011

NÃO VEREMOS PAÍS NENHUM?


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Em “Não Verás País Nenhum”, o escritor Ignácio de Loyola Brandão apenas antecipou o que já começamos a ver no Brasil da monocultura: a desertificação do solo devido à ausência da rotatividade de culturas e da presença de agrotóxicos cada vez mais sofisticados.

     É um livro que foi lançado nos anos ’80, período em que também líamos George Orwell (“1984”), Anthony Burgess (“1985”) e Ray Bradbury (“Fahrenheit 451”) que, em seus romances mostravam um futuro globalizado, com multidões hipnotizadas pela mídia e um mundo decadente devido à exploração desmesurada de todas as terras agricultáveis e sua conseqüente desertificação.

     “1984”, de Orwell, foi contestado por “1985”, de Burgess, mas a divergência era penas ideológica, ou quase isso. Ambos concordavam que o mundo seria dominado pelos podres poderes que, depois de exaurirem a terra, formariam castas que continuariam a explorar o povo formado por semi-escravos.

     Ray Bradbury, em “Fahrenheit 451”, ia um pouco mais longe. Previa um mundo em que o poder centralizado combatia a cultura representada pelos livros. Uma espécie de Inquisição obrigava a todos a amontoar e queimar os seus livros em praça pública. A cultura, e os livros principalmente, eram acusados de serem os culpados de tudo o que tinha acontecido de mal ao mundo. E, naquele romance, todo o mal tinha acontecido ao mundo. O romance de Ray Bradbury é de 1953 e praticamente antecipou o que houve durante a Revolução Cultural da China, que foi lançada em 1966.

     Mas, ao contrário de Orwell e Burgess, Bradbury não era o que se costumava chamar de um “intelectual”, não pertencia aos círculos acadêmicos. O seu livro foi pouco notado e, no máximo, foi chamado de “reacionário”.

     Ignácio de Loyola Brandão, mais conhecido pelo best-seller “Zero” (1975), em “Não Verás País Nenhum” (1981) retrata o que será o Brasil, caso nada seja feito agora: desertificação, fome e miséria. Menos para os governantes.

     Os governantes governam e, ao governarem, pensam que o país é deles, que podem dispor do território e do povo. Tirando aquelas classes que os cercam como vassalos, o povo para os governantes é um produto descartável. E o território também é tratado como um produto que pode ser manipulado até o último “bip”. Até lá eles terão o seu presente e o seu futuro garantidos e o povo, que é descartável, estará descartado.

     Os governantes tem uma estranha noção do que seja governar. Pensam que é o mesmo que ganhar muito dinheiro. Locupletar-se – conforme se usava dizer na época do livro do Loyola. E eles se locupletam, e como se locupletam! São especialistas em locupletação.

     Em plena época de luta ecológica, de desastres e de tragédias provocadas pela má preservação do meio ambiente, a presidente Dilma insiste em construir a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, entre os municípios de Altamira e Anapu, no Pará. A usina inundará cerca de 400 quilômetros quadrados, destruindo fauna e flora e expulsando 40.000 indígenas de suas terras já demarcadas, provocando um incalculável desastre ambiental.

     A quem interessa construir Belo Monte? Ao Governo e às grandes empreiteiras. Empresas com capital multinacional. E que participaram do leilão da hidrelétrica. Um acontecimento extremamente suspeito, que foi realizado apesar de três liminares para cancelar o leilão. Todas cassadas pelo Tribunal Federal da Primeira Região a pedido da Advocacia Geral da União.

     Há muito dinheiro envolvido. Não se trata de desenvolvimento ou de aceleração do crescimento, mas de muito dinheiro.

     Aliás, essa história de aceleração do crescimento tem um quê de neurastênica, justamente no momento em que muitos estudiosos afirmam que os países capitalistas tem seguidas crises porque necessitam crescer a todo o custo. Ou não seriam capitalistas. E esse custo é a miséria e o desrespeito à natureza.

     Há quem afirme que seria o momento de se pensar em um decrescimento – que não significa estagnação – porque crescer desmesuradamente é o mesmo que devorar e destruir o que a natureza nos deu tão bondosamente. E o Brasil é um gigante pela própria natureza, mas não deve apequenar-se moralmente ao destruí-la.

     No atual governo, que já dura mais de oito anos – ou mais de dezesseis anos, conforme alguns - crescer não significa dar melhores condições de vida ao nosso povo, mas cuidar de negócios os quais não reverterão em bem para a nação – apesar da propaganda oficial em contrário.

     A impressão que passa é que Dilma Roussef foi colocada na presidência principalmente para construir Belo Monte. Ela é suficientemente insensível para passar por cima de tudo e de todos, até da suposta lei, para dar seguimento a uma agenda que já se propôs a cumprir. O Lula não faria isso. Mesmo pressionado por todas as multinacionais interessadas, ele pensaria primeiro na sua imagem. Além disso, Lula é mais sensível, aparentemente.

     Na semana passada, enquanto todo o Brasil estava atento para a tragédia da região serrana do Rio de Janeiro, o presidente do IBAMA, Abelardo Bayama Azevedo, foi exonerado, devido às pressões exercidas sobre ele para que desse a licença ambiental para construir Belo Monte. Seu antecessor, Roberto Messias, também renunciou pelo mesmo motivo, ano passado, e a própria Marina Silva renunciou ao Ministério do Meio Ambiente por desafiar Belo Monte.

     Com certeza, o novo presidente do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) será escolhido a dedo. A ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, o mesmo ministério que era de Marina Silva, diz que não está preocupada com o(a) substituto(a) e que o IBAMA “segue trabalhando normalmente”. Por enquanto, o presidente substituto do IBAMA, Américo Tunes, diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, está no cargo. Alguém de confiança.

     Assim como de muita confiança de Dilma é a ministra do Meio Ambiente. Izabella disse que o Ministério do Meio Ambiente está finalizando um conjunto de regras setoriais para dar mais agilidade ao licenciamento ambiental.

     Portanto, o governo vai conseguir essa licença ambiental de qualquer jeito, mesmo que a própria presidenta a fabrique. Vocês não acham que existem muitos interesses em jogo na construção forçada de Belo Monte?

     As empreiteiras irão investir, de início, cerca de 19 bilhões de reais. Para começar. Mas o projeto está orçado em torno de 30 bilhões, podendo chegar a mais de oitenta. Para fazer um buraco do tamanho do canal do Panamá em plena floresta amazônica e enche-lo com a água do Xingu. Imaginem quanto irão ganhar com a exportação de energia para os países vizinhos – República da Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Venezuela, Bolívia... E a Eletronorte irá lucrar mais ainda com a venda de energia para o norte do país.

     E como sempre acontece em países capitalistas como o nosso, a Eletronorte será privatizada num futuro não muito distante, e estaremos comprando a nossa própria energia como resultado da devastação de parte da nossa Amazônia. Se é que a nossa parte da Amazônia ainda é nossa.

     Ninguém do governo levou em conta opções energéticas, como a energia eólica e a energia solar. Não. O que querem é a construção de Belo Monte.

     O governo de Dilma é tudo, menos ecológico. Nada contra a pessoa dela. Até parece simpática, às vezes. E todos sabemos o que ela passou durante a ditadura - a acreditarmos na propaganda de sua campanha política para presidente. Coisas que afetam a sensibilidade da pessoa.

     Mas a presidente deve entender que o Brasil é patrimônio de todos os brasileiros e não apenas de uma classe, uma casta que está no poder. Ela não deve tratar o Brasil como quem trata uma empresa, como se a nossa terra fosse apenas um grande negócio muito lucrativo.

     Outros fatores devem ser considerados e o principal deles é o futuro. Teremos futuro com esse tipo de governo?

     Um governo que estimula o plantio de transgênicos no sul, a monocultura no sudeste e centro-oeste, o grande latifúndio no norte, a desertificação no nordeste e que não hesita em destruir e em matar plantas e animais nativos e em expulsar milhares de indígenas de suas terras, é um governo confiável?

     No livro de Loyola Brandão, “Não Verás País Nenhum”, ele descreve um Brasil assim, mas depois que já foi explorado ao máximo pelos seus governantes.

     Não podemos, como brasileiros e seres humanos, deixar isso acontecer. Deve haver um gigantesco “Não!” à construção de Belo Monte, como o primeiro sinal de que ainda estamos vivos, conscientes e a favor da nossa terra. Ou seremos cúmplices omissos daqueles que querem transformar o Brasil num imenso balcão de negócios.

     Caso contrário, em um futuro próximo não veremos país nenhum.

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