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terça-feira, 26 de outubro de 2010

SOMOS TODOS FACTÓIDES?

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O brasileiro é um fato ou um factóide? Quando se diz “o brasileiro”, qual a ideia que surge?


    Uma raça não pode ser, porque este é o país de maior mestiçagem do mundo – e orgulha-se disso. Dificilmente encontramos um brasileiro de raça pura e se o encontrarmos, dificilmente será brasileiro. Temos pessoas de cores diferentes, mas não de raças diferentes. Com a exceção daqueles lugares, geralmente pequenas cidades, ou bairros de grandes cidades, quase guetos, onde só se encontram alemães ou italianos, ou japoneses... Mas que se extinguirão em questão de décadas.

     Recentemente assisti uma reportagem sobre a cota para negros nas universidades onde, em dado momento foi afirmado que foi feito um teste de DNA no “Neguinho da Beija-Flor” (como é o nome dele?) e constatou-se que ele tem 70% de sangue europeu. Mas a cor é negra.

     Provavelmente eu, que tenho cor branca, tenha uma bela porcentagem de sangue africano.

     Percebe-se, também, grande mestiçagem, principalmente no Nordeste, entre negros, brancos e índios.

     O verdadeiro brasileiro, se quisermos ser sinceros com a História e com nós mesmos, seria o indígena. Ou melhor, os povos indígenas que, originalmente, habitaram a terra de Pindorama, depois chamada de Brasil pelos europeus. Mas matamos todos eles. Ou quase todos.

     Restaram alguns, é claro. Por todo o Brasil, mas em sua maioria na região amazônica. Estão em extinção lenta e gradual, à medida que avançam as motosserras. Nós sempre escondemos os nossos genocídios, talvez por escrúpulos, até se concretizarem completamente. Este é um país de paz e de amor.

     Assim, quando se assiste aqueles jornais que dizem que “o brasileiro é assim ou assado” ou aquelas pesquisas que dizem que “o poder aquisitivo do brasileiro aumentou este mês em relação ao mês passado”, ou “diminuiu...” (o que é difícil de ouvirmos, porque o nosso jornalismo oficial é deliberadamente ufanista), eu sempre me pergunto: “mas qual brasileiro?”.

     O Brasil é um país de brasis. Diversos brasis em um território imenso ao qual convencionamos chamar de Brasil.

     Se você diz “o brasileiro” estará se referindo a quem, exatamente?

     Ao brasileiro que habita o Brasil rico do Sul e Sudeste, o quase rico do Centro-Oeste ou o paupérrimo das regiões Norte e Nordeste?

     E dentro dessas regiões, dentro de cada unidade da Federação, temos estados mais ricos e estados mais pobres – estados que produzem mais e que produzem menos.

     E essa produção de cada estado, essa riqueza, maior ou menor, não é distribuída equitativamente – como os jornais televisivos dão a entender subliminarmente. Ao contrário. É uma riqueza que apenas serve para aumentar a pobreza e as diferenças sociais. Pois este é um pais capitalista, forçosamente feito de diferenças sociais alarmantes. Para que muito poucos tenham muito é necessário que a grande maioria tenha muito pouco ou quase nada. Esta é a lei do capitalismo.

     Se você observar bem, o pobre é pobre em qualquer lugar do Brasil, seja ele mais ou menos desenvolvido, mais ou menos rico, porque as riquezas sempre vão parar nas mãos dos muito ricos.

     Mas há pobres mais pobres que outros pobres. Por exemplo, uma menina pobre de 14, 16 anos, no Rio Grande do Sul, somente se prostituirá por extrema necessidade, enquanto uma menina pobre da mesma faixa etária nas regiões mais pobres do Brasil sempre se prostituirá para auxiliar a família. Um rapaz pobre do Rio Grande do Sul encontrará algum tipo de trabalho, por humilde que seja, enquanto um rapaz pobre do Nordeste ou do Norte migrará para São Paulo ou Rio de Janeiro em busca de qualquer coisa. E acabará favelado.

     Mas terão parentes que não são mais jovens e que não tiveram tanta sorte assim – e que procurarão o seu sustento catando lixo.

     E são milhões de miseráveis e pobres neste Brasil. Em números, são 56,9 milhões de pobres no Brasil, sendo 24,7 milhões de pessoas na extrema pobreza. As desigualdades sociais são imensas. Um relatório da ONU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD), divulgado em julho, aponta o Brasil como o terceiro pior índice de desigualdade no mundo. Quanto à distância entre pobres e ricos, nosso país empata com o Equador e só fica atrás de Bolívia, Haiti, Madagáscar, Camarões, Tailândia e África do Sul.

     E temos o Bolsa Família, Bolsa Alimentação, Bolsa Isto e Bolsa Aquilo. Mas são programas que apenas preservam a pobreza, não a resolvem. O assistencialismo é a cara deslavada do capitalismo selvagem brasileiro. Temos mil entidades assistenciais e outros tantos programas governamentais para ajudar as pessoas. Mas apenas ajudar. Não há interesse em acabar com a pobreza, porque isso iria afetar diretamente os muito ricos que tem a sua riqueza devido à exploração dos muito pobres.

     E no centro a classe média, aquela gangorra que permite que se imagine que o Brasil cresce, às vezes, quando aumenta o consumo, e para quem são destinadas todas as atenções dos políticos, que sabem que nessa gangorra existe um filtro estreito, que deixa poucos subirem e muitos baixarem, e um acesso às informações que só interessa aos manipuladores de informações e de empresas jornalísticas.

     É a classe média que repassa as informações manipuladas e que sustenta e dá razão às classes altas, dos extremamente ricos. A classe média assimila e admira a ideologia burguesa, porque o seu ideal é conquistar um lugar naquilo que considera um clube de eleitos e, na verdade é o clube dos grandes rapinadores.

     A burguesia brasileira nasceu da rapina e da exploração da escravidão para sedimentar os seus grandes negócios: açúcar, café, pecuária. Com a industrialização, apropriou-se de mais aquela fatia de mercado. Com o fim da escravidão, usou os negros pobres como agregados e servos e os brancos pobres como proletários.

     Com o surgimento da classe média, a burguesia usa-a como formadora de opinião, dando-lhe a esperança de ascender socialmente ao prendê-la à sua ideologia, que é a ideologia do feitor.

     Mas o que é “o brasileiro”? Existe aquilo que podemos chamar de brasileiro neste imenso Brasil de tão imensa disparidade social? Ou somos todos invenções de uma mídia que nos quer assim – iludidos, crentes, acanhados, passivos, sem idéias próprias, embriagados por futebol e carnaval?

     Somos todos factóides?

Fausto Brignol.

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