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sexta-feira, 14 de maio de 2010

QG TUCANO EM SP É UM EDIFÍCIO MALDITO

Era o dia 1º de fevereiro de 1974, uma 6ª feira.

Naquele tempo não havia tanta dificuldade para se garantir a subsistência, então o que eu economizava trabalhando durante um ano, digamos, bastava para ficar depois uns seis meses de papo pro ar, vivendo a vida. Quando a grana estava chegando no fim, conseguir novo emprego era questão de dias.

Assim é que, estando eu a desfrutar uma dessas férias autoconcedidas, a manhã já ia avançada quando uma barulheira infernal de gritos e sirenes me arrancou do sono dos justos.

Fui na janela e pasmei: meia São Paulo estava lá embaixo, na avenida e no viaduto Nove de Julho, olhando na direção... do meu edifício?

Estiquei a cabeça, olhei para baixo e nada vi que justificasse o interesse daquela multidão.

"Ora, se há tanta gente assim, a TV deve estar transmitindo", deduzi.

E foi a televisão que me informou do terrível incêndio que grassava no terceiro prédio à direita do meu.

Voltei à janela, estiquei-me todo e olhei na direção certa; dava para ver o fogo e a fumaça, sim.

Foi quando o "Oh!" da multidão acompanhou a queda de um coitado que preferiu esborrachar-se no chão a morrer em chamas.

Foi o que bastou para mim. Fechei a cortina, acordei minha companheira, vestimo-nos rapidamente e fugimos daqueles horrores, descendo os 19 andares pela escada, por receio de ficarmos presos no elevador.

Não quisemos saber mais nada do que ocorria. Só ligamos a TV, na casa do meu pai, para saber se já estava tudo terminado. Voltamos à noitinha.

Morreram 188 pessoas, boa parte vitimada pela ganância capitalista.

"Lá vem ele de novo com sua ideologia!" - pensarão alguns leitores.

Mas, curioso como todo jornalista de verdade, já me haviam chamado a atenção as normas de segurança extremamente rígidas do Edifício Joelma, alugado ao Banco Crefisul de Investimentos.

Então, o aparato montado para evitar que pessoas circulassem facilmente pelas dependências, escapando ao rígido controle de quem temia apenas e tão somente o roubo (de equipamentos? de segredos comerciais? de provas sabe-se lá do quê?), fez com que o prédio se tornasse uma imensa ratoeira no momento da catástrofe, causada por curto-circuito no sistema de ar condicionado..

Como no conto inesquecível de Edgar Allan Poe, os novos Príncipes Prósperos não conseguiram manter o inimigo fora de seu castelo estreitamente vigiado: outra morte vermelha entrou. A do fogo.

Eis o que consta do relatório dos bombeiros:
"...havia somente uma escada comum (não de segurança, que tem paredes resistentes ao fogo e ventilação para evitar gases tóxicos). Não havia sistema de alarme manual ou automático de forma que fosse rapidamente detectado, dado o alarme e desencadeadas as providências de abandono da população, acionamento de brigada interna, acionamento do Corpo de Bombeiros e outras mais. Não havia qualquer sinalização para abandono e controle de pânico. Apesar da estrutura do prédio ser incombustível, todo o material de compartimentação e acabamento não era e não havia qualquer controle de carga-incêndio, por isso rapidamente o incêndio se propagou e fugiu do controle.".
Pior: sobreviventes entrevistados revelaram que nem sequer sabiam como chegar à tal escada comum, a qual era praticamente escondida para que todos fossem obrigados a utilizar o elevador. A obsessão por mantê-los sempre controlados.

A incúria criminosa e o chocante desprezo pela vida humana, constatados no Joelma, fizeram com que as autoridades impusessem uma série de normas para evitar outros morticínios inúteis.


Enfim, saltando para o presente, em tudo e por tudo o Joelma é mesmo o local escrito nas estrelas para abrigar o comitê de campanha 2010 de Geraldo Alckmin e José Serra.

De nada adianta terem mudado seu nome para Edifício Praça da Bandeira.

Nem a ridícula mobilização de influências políticas para que fosse trocado o número do prédio, de 184 para 182, a fim de evitar que os algarismos somassem 13.

O mau agouro é outro: estarem ocupando um espaço amaldiçoado pelas almas penadas de quem foi imolado no altar do L-U-C-R-O (como escrevia o economista Eugênio Gudin).

E com o mesmo objetivo do Crefisul, o de manterem a prevalência do L-U-C-R-O sobre todas as coisas.

Deveriam temer que seus projetos também virem cinzas.

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