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sexta-feira, 9 de abril de 2010

VERSOS BELÍSSIMOS. INTERPRETAÇÃO DILACERANTE.

Jacques Brel me chamou a atenção como ator de um filme notável de André Cayatte: Testemunhas do Medo (Les assassins de l'ordre).

Interpretou um juiz de instrução íntegro, tentando fazer com que policiais fossem condenados por espancarem um preso comum até a morte, na conservadora sociedade francesa do pós-1968.

Seus esforços e sacrifícios são inúteis, a impunidade dos assassinos da ordem prevalece.

O filme é de 1971, mas, tendo sido lançado com grande atraso no Brasil, os pontos de contato com o Caso Herzog nos chocaram. A arte antecipara a vida.

Depois, tomei conhecimento de sua carreira musical, cujo destaque absoluto é a canção "Ne me quitte pas", que fez para a companheira que o estava abandonando: a cantora, atriz e apresentadora de TV Suzanne Gabriello (inexpressiva nas três atividades e hoje só lembrada como musa de Brel).

Foi em 1959, quando ele tinha 30 anos.

Os versos são um arraso. Belíssimos. Daqueles que qualquer poeta gostaria de ter escrito.

E a interpretação de Brel, no momento dos acontecimentos, é simplesmente dilacerante.

Merece ser vista e revista infinitas vezes, por aqueles que são suficientemente fortes para gritar suas dores, ao invés de sofrerem em silêncio, como é de bom tom na nossa sociedade repressiva e hipócrita.

Vi blogueiro a depreciando como "canção de rastejar". Sou muito mais o Paulo Vanzolini: "Se eu tivesse de chorar, chorava no meio da rua".

A tradução de "Ne me quitte pas" está abaixo. E o vídeo pode ser visto aqui.

Não me abandones

Não me abandones.
É preciso esquecer,
tudo pode ser esquecido
depois que já passou.
Esquecer a fase
dos mal-entendidos
e o tempo perdido
tentando saber o motivo.
Esquecer as horas
que às vezes mataram,
com sopros de porquês,
a última felicidade.
Não me abandones.

Eu te oferecerei
pérolas de chuva,
vindas de países
onde nunca chove.
Eu escavarei a terra,
eu escaparei da morte
para cobrir teu corpo
de ouro e de luzes.
Eu criarei um país
onde o amor será rei,
onde o amor será lei
e tu serás rainha.
Não me abandones.

Não me abandones.
Eu te inventarei
palavras absurdas
que tu compreenderás.
Eu te falarei
daqueles amantes
que viram de novo
seus corações incendiados.
Eu te contarei
a história daquele rei
morto por não ter podido
te reencontrar.
Não me abandones.

Quantas vezes não vimos
renascer o fogo
do antigo vulcão
que pensávamos extinto?
Há até quem fale
de terras calcinadas
produzindo mais trigo
do que no melhor abril.
E quando vem a noite,
com um céu flamejante,
vê como se casam o vermelho e o
negro, para que o céu se inflame.
Não me abandones.

Não me abandones.
Eu não vou mais chorar,
não vou mais falar.
Eu me esconderei lá
para te contemplar
a dançar e sorrir.
E para te ouvir
cantar e, então, rir.
Deixe que eu me torne
a sombra da tua sombra,
a sombra da tua mão,
A sombra do teu cão.
Não me abandones.

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