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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

À COMPANHEIRA VANDA, RESPEITOSAMENTE

Farsa jornalística que tentou associar a imagem de Dilma a um sequestro inexistente

Glauber Rocha colocou na boca de um personagem de Terra em Transe a alusão à "baixa linguagem dos interesses políticos".

Jean-Paul Sartre cunhou a frase célebre de que fazer política é "enfiar as mãos no sangue e na merda".

Uma poesia de Bertold Brecht diz que, para transformar o mundo, precisamos chafurdar na sujeira e abraçar o cariniceiro.

Então, companheira Vanda, eu compreendo muito bem os seus motivos, ao protestar inocência face às calúnias imundas que os direitistas lhe lançam.

Várias vezes já tentaram, até forjando uma falsa ficha policial, atribuir-lhe participação pessoal nas ações armadas contra a ditadura militar. Utilizando técnicas propagandisticas goebbelianas, querem fazer crer que você apertava gatilhos e acendia pavios, pois estes clichês impactam mais nos brasileiros que ignoram os horrores da Era Médici [Aliás, fui o primeiro a denunciar tal farsa, lembra?]

Mas, nem mesmo quatro décadas depois e sob o rolo compressor da propaganda enganosa dos fascistas, devemos deixar de proclamar que, ao pegarmos em armas contra o arbítrio, nada mais fizemos do que exercer nosso direito de resistir à tirania.

Você e eu sabemos muito bem que, a partir da assinatura do Ato Institucional nº 5, só havia esse caminho para quem tomasse a digna decisão de continuar na luta contra o despotismo, apesar dos riscos pessoais terem se tornado imensos da noite para o dia.

Não foi outro o motivo de apenas uns poucos milhares terem levado às últimas consequências suas convicções, enquanto, meses antes, uma única passeata era capaz de reunir 100 mil manifestantes. Só os imprescindíveis travam lutas suicidas, quando é a isto que a dignidade obriga.

Os que ainda tentavam atuar de peito aberto junto às massas, eram sequestrados (nenhuma captura daquele tempo respeitava as normas do Direito...) em questão de semanas, levados aos porões, barbarizados, assassinados.

Optando pela clandestinidade; mudando a aparência e montando fachadas com identidades falsas; expropriando bancos para nos mantermos (já que não havia mais como arrancarmos o sustento no mercado de trabalho) e manter nossa luta; sequestrando diplomatas para trocá-los pelos companheiros presos, salvando-os de terríveis torturas e das execuções sumárias; realizando ações de propaganda armada já que eram a única forma de levarmos nossas mensagens ao povo brasileiro; dessa forma conseguíamos permanecer atuantes... durante meses. Míseros meses!

Lembro-me de que, em 1970, prestes a completar um ano nessa luta desigual, já era considerado um veterano. Poucos dos ingressados depois do AI-5 atingiam tal marca. E, mal a completei, fui sequestrado pelo DOI-Codi, iniciando minha temporada no inferno.

Enfim, companheira Vanda, você e eu sabemos muito bem que tinhamos pleno direito de resistir pelas armas aos que haviam conspirado durante anos para usurpar o poder, fracassando numa tentativa golpista em 1961 e obtendo êxito na de 1964, para em seguida imporem o terrorismo de estado, generalizando as torturas, as arbitrariedades e as atrocidades.

Então, por mero acaso, você e eu deixamos de ser designados para para a ação direta, permanecendo como organizadores. Mas, isto só pesou mesmo nas condenações menores que recebemos, pelos critérios da ditadura.

Pelos nossos próprios critérios, que eram e são os que importam para nós, em nada nos diferenciávamos dos gloriosos companheiros incumbidos dessas missões. Mesmo porque jamais teríamos recusado a mesma incumbência, se para tanto fôssemos escolhidos.

Lembrei-lhe tudo isso porque, inadvertidamente, você foi um tanto inábil com as palavras, ao apontar a falácia cometida pelos que a acusam de ações armadas que não praticou.

Ao dizer que nunca foi "julgada ou condenada por nenhuma ação armada", tendo recebido uma pena de dois anos apenas por sua militância, parece colocar-se num plano diferenciado dos seus companheiros do Colina e da VAR-Palmares que cumpriam tais tarefas. É como alguns poderão interpretar uma frase como esta:
"Não tenho conhecimento de nenhuma pessoa que praticou ação armada e que tenha sido condenada a dois anos".
Eu prefiro acreditar que suas verdadeiras convicções estejam expressas noutro trecho da entrevista que você concedeu em Cuiabá, aquele no qual declarou ter orgulho de sua história na resistência.

Pois, embora só a tenha conhecido fugazmente no Congresso de Teresópolis da VAR-Palmares, à distância acompanhei sua trajetória e sei que você sempre honrou seu passado e sua luta.

Então, entenda esta mensagem apenas como um toque de quem, depois daquele passado comum, passou o resto da vida atuando na área de comunicação: há muitos Gasparis por aí tentando criar um fosso entre os militantes que apenas sofreram nas mãos dos algozes e aqueles que ousaram responder ao fogo inimigo. Uns seriam mártires como Vladimir Herzog e Rubens Paiva, outros meros terroristas.

Tome cuidado para, na sua justificada rejeição de acusações falaciosas, não ser confundida com os que, em última análise, repudiam a opção que você e eu fizemos.

Pois não é por termos deixado de expropriar bancos ou sequestrar diplomatas que nunca fomos terroristas. Mas porque, no curso de uma luta contra o despotismo, ações desse tipo não têm caracterização criminal, e sim política. São e sempre foram atos de resistência à tirania.

Terroristas eram os outros, os que se ocultavam sob o capuz do Estado: aqueles que intimidavam, censuravam, perseguiam, sequestravam, torturavam, maltratavam crianças, estupravam, matavam e ocultavam cadáveres, como agentes de um poder ilegítimo.

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