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terça-feira, 16 de junho de 2009

O meu caminho para o anarquismo (achei no blog do Antonio Ozaí - clique aqui pra conhecer o blog)


Era uma tarde de sábado do ano de 1987. Não recordo o dia, por mais que me esforce. Mas lembro-me vivamente dos detalhes. Encontrei-o na PUC/SP e conversamos alguns minutos. Estava ali, por sugestão do Ricardo Antunes, para solicitar que contribuísse com a divulgação do História das Tendências no Brasil. Ofereci-lhe um exemplar, ele fez questão de comprá-lo. Ele foi muito amável e generoso, deixando-me à vontade. Esta generosidade, aliada à simplicidade no vestir e no falar, quebrou o meu encanto sobre a imagem que até então tinha sobre o intelectual universitário. O desencanto deu lugar a uma admiração sincera e livre das ilusões que cercam as relações no campus.

Algum tempo depois, ele publicou a resenha “Confiança no processo”. Suas primeiras palavras foram: “O autor não é um intelectual, o que diz muito a seu favor”. Eu era um simples autodidata que ousou adentrar na “Casa de Salomão” e conhecer Maurício Tragtenberg. Este encontro marcou-me e foi decisivo nos rumos que tomou a minha vida.

Nos poucos contatos que tivemos após o encontro na PUC/SP, Tragtenberg estimulou-me a estudar. Chegou a entrar em contato com certa parlamentar petista para saber da possibilidade de uma bolsa de estudos. Ele foi importante para a minha decisão de retomar os estudos formais. Terminei por cursar Ciências Sociais na Fundação Santo André. Maurício se tornaria o meu orientador no mestrado que fiz na PUC/SP. Mais que orientador, ele foi um amigo e companheiro.

Com Maurício Tragtenberg, passei a conhecer a literatura libertária. Na época em que o conheci, e mesmo durante o mestrado, ainda estava embevecido com a obra de Marx/Engels e dos marxistas, como Lenin, Trotsky e Rosa Luxemburgo. Maurício respeitou-me, aceitou o meu tema de pesquisa e deixou-me livre. Ele investia na autonomia do orientando. Às vezes indicava um livro ou outro, e até me presenteava. Jamais tentou me converter. Sua influência se dava muito mais pelo exemplo e seu jeito de ser. Foi por suas atitudes que me conquistou.

Tragtenberg foi a minha inspiração para conhecer o marxismo heterodoxo e os autores clássicos do anarquismo. As minhas leituras anteriores, por exemplo de “A Revolução Russa” (Rosa Luxemburgo), de “Memórias de um Revolucionário” (Victor Serge), a biografia sobre Trotsky, escrita por Isaac Deutscher, além do livro “A oposição operária” (Alexandra Kollontai), já haviam aguçado a minha visão crítica. A minha formação na Teologia da Libertação também contribuiu.

A partir da convivência com Maurício, também fiquei sabendo sobre Kronstadt e Nestor Makhno. A minha percepção crítica sobre os descaminhos da Revolução Russa e do significado do “socialismo realmente existente”, aliado à experiência da militância, me afastou cada vez mais do chamado marxismo-leninismo, em sua vertente stalinista ou trotskista. Estava aberto a conhecer o pensamento libertário.

Fiquei encantado com as descoberta que fiz a partir das obras dos autores anarquistas, mas isto não foi suficiente para decidir pela militância em algum grupo libertário. Por outro lado, o anarquismo acadêmico também não me atraiu. Não me considero um convertido ao anarquismo, embora reconheça sua influência sobre o que sou. Faz parte das minhas universidades. Por outro lado, também não renego a influência da obra de Marx/Engels e dos marxistas em minha vida. Como Maurício, segui só pela estrada da vida.

Dizem pelos corredores, de maneira elogiosa ou pejorativa, que sou anarquista. Quando me indagam publicamente, afirmo apenas que sou palmeirense. A patrulha ideológica, com as cobranças para que nos enquadremos num dos “ismos” disponíveis no mercado simbólico das ideologias é incapaz de aceitar isto. No entanto, não me parece tão importante assumir um rótulo ideológico. Mais importante é a prática e as atitudes: “Pouco importa o que você disser sobre si próprio. Você pode se declarar anarquista, democrata, popular, socialista... Importa é o que você faz. Esta é a diferença!*

Persisto no ceticismo, duvidando dos dogmas e das certezas definitivas, sejam elas religiosas ou das ideologias seculares. A minha bússola é a dúvida e a liberdade; são elas que orientam o meu agir e o ser no mundo!


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* In: Boletim eletrônico mensal do Nu-Sol – Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, nº. 89, setembro de 2007.

POSTADO POR ANTONIO OZAÍ - 13/06/09
FONTE: http://antonio-ozai.blogspot.com/2009/06/o-meu-caminho-para-o-anarquismo.html

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