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quarta-feira, 20 de maio de 2009

SERÁ QUE EU VOU VIRAR BOLOR?

CHARGE DE CLEUBER (clique para ampliar)
http://www.tracodeguerrilha.blogspot.com


"Venho me apegando aos meus sonhos
e à minha velha motocicleta.
Não gosto do pessoal da Nasa,
cadê meu disco voador?
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor,
será que eu vou virar bolor?"
(Arnaldo Dias Baptista)

Atingir tal ou qual idade deixa de ser realmente importante para nós depois de completarmos 18 anos. Aí já estamos na posse de todos os nossos direitos civis, podemos votar, dirigir quaisquer veículos, assistir a todos os filmes e peças que quisermos.

Mas, em termos simbólicos, continuamos acreditando que, quando totalizamos um certo número de décadas, nossa vida muda.

A Geração 1968, p. ex., conviveu com aquela palavra-de-ordem das barricadas parisienses, "não confie em ninguém com mais de 30 anos!". Houve até uma musiquinha oportunista por aqui aproveitando a onda.

Esperei com impaciência o fatídico dia em que eu deixaria de ser confiável para os contestadores do stablishment. Mal acabara de despertar, fui correndo me olhar no espelho, para ver se tinha sofrido uma metamorfose durante o sono. Que alívio! Continuava o mesmo de sempre, mais para bicho-grilo do que para caretão (era o tempo em que editava revistas de rock)...

Aos 50, entretanto, tomei a decisão de mudar toda a minha vida, saindo de um casamento desgastado, procurando uma nova companheira, tendo filhos. Foi só coincidência ou, realmente, chegar àquela idade mexeu com minha cabeça? Sei lá...

No ano passado, o grande pensador Luiz Inácio Lula da Silva colocou outra pedra no meu futuro, ao dizer que os sexagenários, ou se tornam conservadores como ele, ou têm um parafuso solto na cabeça.

O pior é que David Mamet, o melhor dramaturgo estadunidense das últimas décadas, estava com exatos 60 anos ao dar entrada no cemitério dos mortos-vivos (que saudades do Henfil!). Foi quando declarou:

"Como quase todos os liberais americanos, consumo produtos de corporações e muitas vezes anseio por eles. Então, por que sempre vociferar contra as grandes empresas e dizer que são a encarnação do mal? Percebi que nem tudo está sempre errado à minha volta. Que aceitar uma sociedade de livre mercado é muito mais condizente com a minha experiência de vida do que a visão que eu mantinha antes – a crença de que uma sociedade em que o estado intervém é melhor. E, ainda, que não posso abominar todos os que são de direita, porque convivo com eles no trabalho, na reunião de pais e mestres, na minha rua, e gosto de muitos deles".

Será que, em outubro de 2010, eu também vou virar bolor? Quero crer que não.

Talvez porque as geringonças fabricadas pelas grandes empresas nunca tenham sido fundamentais para mim. Algumas me proporcionam conforto e simplificam minha vida, claro. Mas, já passei muito tempo sem elas e posso voltar a fazê-lo, sem traumas.

Quando começava minha carreira, conheci um veterano jornalista do Diário do Comércio (SP), chamado Waterlando João Alípio, que garantia ser capaz de sobreviver mesmo que a civilização acabasse: sabia caçar, pescar e não se incomodava de viver no meio do mato.

Sem chegar a tal exagero, acho que também conseguiria, mesmo que a duras penas, adaptar-me a um mundo pós-apocalíptico. Sou um bocado teimoso.

Da perspectiva que tenho nestes tristes trópicos, que me desculpe Mamet, tudo está realmente sempre errado à minha volta. O tal do livre mercado me fornece qualquer coisa que queira comprar, desde que, com sangue, suor e lágrimas, consiga pagar as prestações. De quebra, às vezes me faz comer o pão que o diabo amassou por conta de uma recessão que não causei.

Cá com meus botões, nunca deixarei de pensar que, dispensando tudo que é parasitário e inútil (bancos, governos, burocracias, propaganda, cursos burrificantes, objetos de luxo e mil etceteras), cada cidadão do País e do planeta poderia dispor do necessário para uma existência realmente digna -- trabalhando muito menos do que agora.

Também abomino uma sociedade em que o Estado mete o nariz em tudo e até grampeia nossos telefones. Aliás, estou com Proudhon e não abro:

"Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, identificado, doutrinado, aconselhado, controlado, avaliado, pesado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título nem a ciência, nem a virtude. (...) Depois, ao menor resmungo, à primeira palavra de reclamação, reprimido, multado, enforcado, hospitalizado, espancado, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído, e por cúmulo, jogado, ludibriado, ultrajado, desonrado".

Mas, quem disse que a estatização é a única opção em relação ao ao livre mercado? Por que não podemos nos associar livremente para criarmos outro tipo de sociedade, com os cidadãos assumindo e repartindo as funções hoje desempenhadas pelo Estado? Isso era bem mais difícil de viabilizar na época de Proudhon do que agora. Só falta vontade política e - por que não dizer? - espírito de luta. Isto os contemporâneos de Proudhon tinham muito mais do que nós.

Finalmente: quanto às pessoas de direita, não vou destratá-las apenas por serem escravas do sistema. Afinal, além de brasileiro cordial, sou cristão. Perdoo os que não sabem o que dizem.

Por tudo isto, confio em que, tanto quanto o eterno Mutante, eu não vá virar bolor. Aos 60 ou aos 100 anos.

Vai ver que tenho mesmo o tal parafuso solto...

2 comentários:

  1. Texto ótimo...Gostei muito Celso...Parafusos soltos e Senhores de nossa Liberdade...Além de engrenagens...Contra o Autoritarismo...Abraços...Com vc...Glória Kreinz

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  2. tenho 26 e espero ter smepr eo parafuso solto... com 60 ou 100 tb..

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