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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O OLHAR ATENTO DE NELSON LEIRNER - ENTREVISTA - SETEMBRO DE 2007

Por Marco Aurélio Fiochi

Artista visual paulistano, radicado no Rio de Janeiro desde 1997, Nelson Leirner é referência para o meio artístico brasileiro devido à construção de uma trajetória no mínimo emblemática. Pertencente a uma família de artistas e críticos que inclui, entre outros, a mãe Felícia, escultora já falecida, o pai Isai, ex-diretor do MAM/SP, e a prima Jac, também artista visual, Nelson iniciou a carreira na década de 1950 e, desde então, participou de mais de uma centena de coletivas, além de realizar individuais no Brasil e em várias partes do mundo e de atuar como professor em cursos de arte por mais de duas décadas. Aos 75 anos, sua produção percorreu diversas linguagens e suportes, entre eles objeto, happening, instalação, outdoor, desenho, gravura, design e cinema experimental. Em todos os meios, o artista mostra sua posição crítica e irônica ao sistema da arte ou ainda a solidariedade a um repertório que, embora conceitual, abre brechas ao entendimento do público não-iniciado, ao utilizar materiais familiares ao seu universo - gessos de santos e entidades do candomblé, soldadinhos, pequenos brinquedos, animais e insetos de plástico e borracha, adesivos autocolantes -, que integram instalações como O Grande Desfile (1984), O Grande Combate (1985) e O Grande Enterro (1986). Nesta entrevista, Nelson fala de seu processo criativo, dos materiais e obras e de seu atual ritmo de trabalho. Veterano de cinco décadas, defende os novos criadores: "Não acho que exista um esvaziamento de conteúdo, nem falta de repertório na nova geração. O que não se pode comparar são gerações que lidam com diferentes comportamentos de uma sociedade, pois o artista também a integra".

Como é seu dia-a-dia? Você utiliza as informações que lhe chegam pelos meios de comunicação como elementos para sua arte? Ou a matéria cotidiana é apenas um instrumento para sua visão de mundo?
Hoje meu dia-a-dia, dentro do possível, é totalmente desobrigado de ter ou aceitar compromissos tanto com o meu trabalho como no âmbito social. Vivo com o olhar sempre atento ao meu redor, pois é dele que tiro conclusões para conceituar minha visão de arte. Uma notícia vinda pelos meios de comunicação tem a mesma importância que um passeio por uma rua movimentada do centro da cidade.

E o trabalho no ateliê? Você trabalha em vários projetos ao mesmo tempo ou prefere acabar uma obra e começar outra? Você se impõe um ritmo de trabalho?
Não tenho ateliê, apenas um espaço para um pequeno depósito e para escrever ou rascunhar projetos. Prefiro trabalhar quando um determinado espaço já me é delimitado, não tenho regras para ter começo, meio ou fim e meu ritmo é minha ansiedade.

Entre uma obra e outra há intervalos muito grandes ou você procura sempre estar em produção?
Não procuro nem os intervalos nem a produção constante, mas a dimensão da minha obra me faz estar mais próximo de uma produção mais densa.

Como você desenvolve seus projetos? Você rascunha, desenha, põe no papel suas idéias ou vai criando sem um roteiro inicial?
Tenho trabalhos que, com os mesmos elementos, criei as mais diferentes situações, sempre me adaptando aos espaços que me foram dados. Na minha obra é quase impossível ficar preso a um roteiro.

Os materiais que você utiliza são bem variados e em geral podem ser encontrados em centros de comércio popular. Qual sua intenção ao trabalhar com esses materiais e como se dá a escolha deles? Qual seu interesse por uma iconografia, digamos, popular?
A essa pergunta vou responder com um trecho escrito pelo curador Agnaldo Farias: "Cada um desses objetos encarna uma imagem desgastada pela repetição infinita; são signos exauridos, mas que, no entanto, ainda mantêm um débil liame com nossos sonhos, dão provas do nosso impulso de efetuar simbolizações. É o artista quem afetuosamente os retira do limbo onde nossa indiferença os vem depositando, para colocá-los lado a lado, sem estabelecer hierarquia entre eles, sem criar distinção entre os mitos religiosos, os mitos pagãos, as fantasias infantis, os seres provenientes dos reinos animal, vegetal e mineral - todos como lídimos representantes de nós mesmos...".

Que tipo de material você ainda não usou mas gostaria de utilizar?
Não faço uso da tecnologia, mas não sei se gostaria de enveredar por esse caminho. Acho que é uma questão de geração.

E qual linguagem artística ainda o atrai, ainda é um desafio para você?
O cinema, que para mim é o meio de expressão mais completo.

Sua obra tem um apelo grande para pessoas que não são necessariamente fruidores das artes visuais. Isso se deve aos materiais que usa, às escolhas temáticas que faz ou a uma intenção de tornar sua obra mais acessível, menos hermética?
A arte conceitual é elitista e disso não escapamos. O que acontece com meu trabalho é que pelo material que costumeiramente uso existe uma identificação com o público em geral. Essas pessoas, que como você coloca "não são necessariamente fruidores das artes visuais", podem ver num espaço dedicado à arte um pouco do seu universo. Um conceito duchampiano.

Você foi professor de arte durante muitos anos e ajudou a formar muitos artistas. Como vê os cursos de arte que são oferecidos? Por que recomendaria a um aspirante a artista um curso formal na área?
O mais importante não é o que se ensina nem o que o aluno vai aprender, e sim o constante contato que ele vai ter com a arte.

Sem ser generalista, você sente entre os artistas da novíssima geração, surgidos a partir de 1990, um esvaziamento de conteúdo, uma falta de repertório, já que esse grupo é bem diferente dos artistas que surgiram junto com você nos anos 1950, os quais tinham uma atitude crítica, combativa, irônica, devido, entre outros fatores, à situação política nas décadas seguintes? Ou seria o contrário disso, já que a nova geração dispõe de recursos tecnológicos que não existiam quando você iniciou?
Não acho que exista um esvaziamento de conteúdo, nem falta de repertório na nova geração. O que não se pode comparar são gerações que lidam com diferentes comportamentos de uma sociedade, pois o artista também a integra. A tecnologia já faz parte da geração atual, que desde cedo domina essa linguagem.

O que singulariza seu processo criativo, o que torna sua obra uma obra que só poderia ser produzida por Nelson Leirner?
É não querer fazer ARTE e sim arte.

Conheça mais sobre a vida e a obra de Nelson Leirner na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais.
FONTE: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2720&cd_materia=157

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