Páginas
▼
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
sábado, 22 de fevereiro de 2014
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
PRÁTICA DE LINCHAMENTO E TORTURA
Prática de Linchamento e Tortura:
Será que Vai Virar Obrigatória?
Carlos A. Lungarzo
A mídia comercial, especialmente a televisiva, dita as
regras sociais, comunicacionais, políticas, jurídicas e até científicas nos
países subdesenvolvidos, onde a ignorância é auxiliada pela superstição e o
poder infinito das corporações. Estes estimulam no público mais indefenso uma
carga ativa de rancores e ressentimentos como os que geraram os movimentos da
direita europeia nos anos 30, ou, ainda mais próximo de nós, o massacre de
Rwanda de 1994, onde morreu quase um milhão de pessoas.
Isto também acontece nos EEUU, onde ainda se lembram os
milhares de enforcamentos e queimas de afro-americanos linchados pelas ralés insanas
do Sul Profundo (Alabama, Arkansas, Missouri, e todos os outros que formam o Bible Belt). Mas, os avanços dos
direitos civis nos anos 60 e 70 têm atenuado parcialmente a tradição das
“mensagens de ódio”. Hoje, o que está substituindo aquela cultura do ódio é a
mídia de países como o Brasil, a Argentina, o Paraguai, a Honduras e de alguns
outros “emergentes”. Eles ficam como os melhores expoentes da formação de uma
opinião pública agressiva, fascista, chauvinista e mística, o que tem provocado
preocupações não apenas em ONGs de DH, como também nas Nações Unidas. (Exemplo:
o caso dos presídios de Maranhão.)
Brasil produz, de longa data, tortura policial massiva,
linchamentos, tanto urbanos como rurais, e genocídios e democídios
qualificados, como o de Carandiru (avantajado apenas pelo do presídio de Abum
Salim, Tripoli, Líbia, 1996); o do maio sangrento de 2006 em SP, onde o
governador ordenou um massacre de jovens pobres e negros~; a “faxina” de sem
Teto em toda época e local; o ataque do governo de SP contra a política de recuperação
de viciados da prefeitura; os casos de Candelária e Vigário Geral; a
megademocídio de Carajás e muitos outros, entre os quais merece destaque Pinheirinho
(o Soweto Latino Americano), ainda hoje impune, apesar das denúncias
internacionais.
Por isso, o espancamento e tortura de um menino indigente
(e, claro!, afrodescendente), no RJ, não chega a ser uma novidade. É um fato
“menor” se comparado com as balas “perdidas” pela policia (e agora também pelo
exército) do RJ, SP e outros estados, tão perdidas que nunca podem ser
submetidas a prova balística.
Tampouco é novidade que a mídia estimule, justifique e
propagandeie o linchamento, um “bônus” para completar a tarefa policial, o apartheid institucional, a luta contra a
igualdade racial e, nos últimos tempos, a criminalização de passeios de gente
pobre por shoppings e bairros caros.
No caso do menino seviciado por um bando de hooligans raivosos, foi uma boa surpresa
a reação de sindicatos de jornalistas de RJ e alguns partidos de esquerda, como
o PSOL, que condenaram a apologia do linchamento, feita em estilo messiânico
por uma apresentadora célebre nos esgotos televisivos. Essa apresentadora tem desconforto
com o carnaval, defendeu a “cura gay”, sugeriu métodos “não convencionais”
quando Battisti foi liberado e abomina dos que querem um país secular. Nada
surpreendente: estas pessoas sempre foram inimigas da alegria, da sexualidade e
das mentes libertárias e fãs do obscurantismo e da truculência.
Entretanto, não houve até agora nenhuma reação conhecida
dos poderes públicos. As declarações da jornalista configuram apologia do
crime, incitação à violência, estigmatização de criança ou adolescente,
discurso de ódio e, indiretamente, promoção de ameaças. Com efeito, uma
professora universitária que convocou o Ministério Público para atuar contra a
psicopata, recebeu telefonemas com ameaças de morte. Eventualmente, essas
ameaças podem ser apenas fanfarronadas, mas não pode descartar-se risco real,
sendo que os linchadores são pessoas doentes e ressentidas. Muito deste middle-class limpen está afetado por
quadros sádicos, e frustrações sexuais (geralmente, não conseguem ter relações
normais e precisam agredir seus parceiros/as) que às vezes podem estourar sem
prévio aviso, sobre tudo pela certeza de
não serem punidos.
A professora também fez notar que, enquanto os
jornalistas de RJ se manifestaram, em SP havia um silêncio suspeito de
políticos e comunicadores.
Por outro lado, o conselho da apresentadora (de que as
pessoas assaltadas devem tomar a lei com suas próprias mãos), pode criar uma complicada corrente de
retaliações. Se alguém faz punição por sua conta, é óbvio que o atacado,
que carece de toda proteção, econômica, social, legal e jurídica e que, se for
detido, seria torturado e morto, assuma sua defesa também por suas próprias mãos. Afinal, resistindo, essas
pessoas talvez possam salvar a vida, enquanto, deixando-se escorraçar, sabem
que só lhes espera tormento e assassinato policial. (Este fenômeno foi estudado
por Wacquant, Marcuse, Foulcault, Reich e outros intelectuais).
O resultado destas vinganças de jagunços urbanos vai
apenas aumentar a violência dos atos criminosos, e não é fácil saber onde pode
parar, porque, com ou sem paliativos sociais, os excluídos são muito mais que
os algozes. As elites têm armas, dinheiro, poder jurídico, mídia e mercadores
da fé. Possivelmente, eles não possam ser derrotados como se pensou depois da
Revolução Francesa. Mas, com certeza, podem ser fustigados cada vez mais pelos alvos
de seu democídio. E, se cada jagunço urbano, cada fundamentalista, cada nazista,
se torna um carrasco, não será raro que milhares de suas vítimas se revoltem. Isso piorará a sociedade para todos,
até para alguns setores das próprias elites.