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sábado, 27 de abril de 2013

RAZÕES PARA NÃO REDUZIR A MAIORIDADE PENAL



Apresento aqui um artigo escrito pelo comunicador Vinícius Bocato, que encontrei em meu Facebook. Este artigo é rigoroso, documentado, possui dados quantitativos e reflexões sociológicas impecáveis.
Todos os que devem tomar decisão sobre o caso deveriam ler isto. É absurdo que pessoas relativamente bem intencionadas se deixem induzir por mentiras, mensagens de ódios e raciocínios torpes produzidos por linchadores sedentos de sangue.
Querem fazer este país, onde a vida das pessoas pobres ou excluídas (ou seja, 70% da população) é tratada como lixo UM POUCO MELHOR, o vão deixar que fascistas e vigaristas afundem ainda mais os escassos direitos humanos que há no Brasil?
No pude comunicar-me com autor para pedir autorização, mas declaro publicamente minha admiração por este trabalho impecável.


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Razões para NÃO reduzir a maioridade penal

por Vinícius Bocato*
maioridadepenal Razões para NÃO reduzir a maioridade penal
Sempre que acontece um crime bárbaro cometido por um adolescente a sociedade levanta a voz para pedir a redução da maioridade penal. Quais seriam os reflexos dessa medida?
Estudante da Casper Líbero escreve artigo sobre o tema e questiona: o objetivo é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?
Na última semana uma tragédia abalou todos os funcionários e alunos da Faculdade Cásper Líbero, onde estou terminando o curso de jornalismo. O aluno de Rádio e TV Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi morto por um assaltante na frente do prédio onde morava, na noite da terça-feira (9). O crime chocou não só pela banalização da vida – Victor Hugo entregou o celular ao criminoso e não reagiu –, mas também pela constatação de que a tragédia poderia ter acontecido com qualquer outro estudante da faculdade.
Esse novo capítulo da violência diária em São Paulo ganhou atenção especial da mídia por um detalhe: o criminoso estava a três dias de completar 18 anos. Ou seja, cometeu o latrocínio (roubo seguido de morte) enquanto adolescente e foi encaminhado à Fundação Casa.
Óbvio que a primeira reação é de indignação; acho válida toda a revolta da população, em especial da família do garoto, mas não podemos deixar que a emoção nos leve a atitudes irresponsáveis. Sempre que um adolescente se envolve em um crime bárbaro, boa parte da população levanta a voz para exigir a redução da maioridade penal. Alguns vão adiante e chegam a questionar se não seria hora do Estado se igualar ao criminoso e implantar a pena de morte no país. Foi o que fez de forma inconsequente o filósofo Renato Janine Ribeiro, em artigo na Folha de S. Paulo, por ocasião do assassinato brutal do menino João Hélio em 2007.
Além de obviamente não termos mais espaço para a Lei de Talião no século XXI, legislar com base na emoção nada mais atende do que a um sentimento de vingança. Não resolve (nem ameniza) o problema da violência urbana.
O que chama a atenção é maneira como a grande mídia cobre essas tragédias. A maioria das matérias que vemos nos veículos tradicionais só reforçam uma característica do Brasil que eles mesmo criticam: somos o país do imediatismo. A cada crime brutal cometido por um adolescente, discutimos os efeitos da violência, mas não as suas causas. Discutimos como reprimir, não como prevenir. É uma tática populista que desvia o foco das reais causas do problema.
Abaixo exponho a lista de motivos pelos quais sou contra a redução da maioridade penal:
As leis não podem se basear na exceção
A maneira como a grande mídia cobre estes crimes bárbaros cometidos por adolescentes nos dá a (falsa) impressão de que eles estão entre os mais frequentes. É justamente o inverso. O relatório de 2007 da Unicef  “Porque dizer não à redução da idade penal” mostra que crimes de homicídio são exceção:
“Dos crimes praticados por adolescentes, utilizando informações de um levantamento realizado pelo ILANUD [Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente] na capital de São Paulo durante os anos de 2000 a 2001, com 2.100 adolescentes acusados da autoria de atos infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos imputados aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos conforme demonstra o gráfico abaixo.”
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E para exibir dados atualizados, dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83 infratores cumprem medidas socioeducativas por terem cometido latrocínio (caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última semana). Ou seja, menos que 1%.
Redução da maioridade penal não diminui a violência. O debate está focado nos efeitos, não nas causas da violência
Como já foi dito, a primeira reação de alguns setores da sociedade sempre que um adolescente comete um crime grave é gritar pela redução da maioridade penal. Ou quase isso: dificilmente vemos a mesma reação quando a vítima mora na periferia (nesses casos, a notícia vira apenas uma notinha nas páginas policiais). Mas vamos evitar leituras ideológicas do problema.
A redução da maioridade penal não resolve nem ameniza o problema da violência. “Toda a teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em termos de segurança para a população”, afirmou em fevereiro Marcos Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência.
O Instituto Não Violência é bem enfático quanto a isso: “As pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem “leves” ou “pesadas”), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.
No site da Fundação Casa temos acesso a uma pesquisa que revela o perfil dos internos (2006):
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Em linhas gerais, o adolescente infrator é de baixa renda, tem muitos irmãos e os pais dificilmente conseguem sustentar e dar a educação ideal a todos (longe disso). Isso sem contar quando o jovem é abandonado pelos pais, quando um deles ou ambos faleceram, quando a criança nem chega a conhecer o pai, entre outras complicações.
Claro que é bom evitar uma posição determinista, a pobreza e a carência afetiva por si só não produzem criminosos. Mas a falta de estrutura familiar, de educação, a exposição maior à violência nas periferias e a falta de políticas públicas para esses jovens os tornam muito mais suscetíveis a cometer pequenos crimes.
Especialistas afirmam que os adolescentes começam com delitos leves, como furtos, e depois vão subindo “degraus” na escada do crime. De acordo com Ariel de Castro Alves, ex secretário-geral do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), muitos dos adolescentes que chegam ao latrocínio têm dívidas com traficantes e estão ameaçados de morte, e isso os estimula a roubar.
Vale aqui lembrar a falência da Fundação Casa, que em vez de recuperar os jovens, acaba incentivando os internos a subir esses degraus do crime. Para entender melhor sua realidade, recomendo a leitura da matéria “De Febem a Fundação Casa” da REvista Fórum. Nela temos o relato do pedagogo Carlos (nome fictício), que sofreu ameaças frequentes por contestar os atos abusivos da direção: “A Fundação Casa nasceu para dar errado. Eles saem de lá com mais ódio, achando que as pessoas são todas ruins e que não há como mudar isso. São desrespeitados como seres humanos, são tratados como lixo. E isso faz com que eles pensem que não podem mudar.”
Atuante na Fundação há onze anos, Carlos conta que os atos de violência contra os adolescentes são cotidianos e descarados, apoiados inclusive pelo diretor, que também “bate na cara dos meninos”. Essa bola de neve de violência só poderia resultar em crimes cada vez mais graves cometidos pelos garotos.
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Prisão superlotada em São Paulo
A redução da maioridade penal tornaria mais caótico o já falido sistema carcerário brasileiro e aumentaria o número de reincidentes
Dados objetivos: Temos no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo menos 181 mil vagas. Não precisamos nos aprofundar sobre a superlotação e as condições desumanas das cadeias brasileiras, é óbvio que um sistema desses é incapaz de recuperar alguém.
A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como tende a aumentar o número de reincidentes. Para o advogado Walter Ceneviva, colunista da Folha, a medida pode tornar os jovens criminosos ainda mais perigosos: “Colocar menores infracionais na prisão será uma forma de aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para a sociedade. A redução da maioridade penal é um erro.”
A Unicef também destaca os problemas que os EUA enfrentam por colocar adolescentes e adultos nos mesmos presídios. “Conforme publicado este ano [2007] no jornal The New York Times, a experiência de aplicação das penas previstas para adultos para adolescentes nos Estados Unidos foi mal sucedida resultando em agravamento da violência. Foi demonstrado que os adolescentes que cumpriram penas em penitenciárias, voltaram a delinquir e de forma ainda mais violenta, inclusive se comparados com aqueles que foram submetidos à Justiça Especial da Infância e Juventude.”
O texto em questão foi publicado no New York Times em 11 de maio de 2007 e está disponível na íntegra na página 34 deste PDF da Unicef.
Ao contrário do que é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do movimento internacional
Tenho visto muitos textos afirmando que o Brasil é um dos raros países que estipulou a maioridade penal em 18 anos. Tulio Kahn, doutor em ciência política pela USP, contesta esses dados. “O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.”
Ainda segundo a Unicef “de 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo a tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas para os menores de 18 anos, como é o caso brasileiro.”
O que pode estar acontecendo na grande mídia é uma confusão conceitual pelo fato de muitos países usarem a expressão penal para tratar da responsabilidade especial que incide sobre os adolescentes até os 18 anos. “Países como Alemanha, Espanha e França possuem idades de inicio da responsabilidade penal juvenil aos 14, 12 e 13 anos. No caso brasileiro tem inicio a mesma responsabilidade aos 12 anos de idade. A diferença é que no Direito Brasileiro, nem a Constituição Federal nem o ECA mencionam a expressão penal para designar a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade”.
Confiram aqui a tabela comparativa entre diferentes países ao redor do mundo. Alguns países vêm seguido o caminho contrário do que a grande mídia divulga e aumentado a maioridade penal. “A Alemanha restabeleceu a maioridade para 18 anos e o Japão aumentou para 20 anos. A tendência é combater com medidas socioeducativas. Estudos apontam que os crimes praticados por crianças e adolescentes, no Brasil, não passariam de 15%. Há uma falsa impressão de que esses jovens ficam impunes, o que não é verdade, pois eles respondem ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, argumenta Márcio Widal, secretário da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB.
Também não vejo os grandes jornais divulgarem que muitos estados americanos estão aumentando a maioridade penal.
Há ainda diversos argumentos contra a redução da maioridade penal, mas o texto já se estendeu muito e vamos focar em mais dois. A medida é inconstitucional; a questão da maioridade faz parte das cláusulas pétreas da Constituição de 1988, que não podem ser modificadas pelo Congresso Nacional (saiba mais sobre as cláusulas pétreas da CF aqui). Seria necessária uma nova Assembleia Constituinte para alterar a questão.
“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (Artigo 228 da Constituição Federal). Ou seja, todas as pessoas abaixo dos 18 anos devem ser julgadas, processadas e responsabilizadas com base em uma legislação especial, diferenciada dos adultos.
Há ainda o clássico argumento de que o crime organizado utiliza os menores de idade para “puxar o gatilho” e pegar penas reduzidas. Se aprovada a redução da maioridade penal, os jovens seriam recrutados cada vez mais cedo. Se baixarmos para 16 anos, quem vai disparar a arma é o jovem de 15. Se baixarmos para 14, quem vai matar será o garoto de 13. Estaríamos produzindo assassinos cada vez mais jovens. Além disso, “o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição”, diz o advogado Ariel de Castro Neves. “No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário.”
Concluindo…
Reforçando, tudo o que foi discutido até aqui foi para mostrar o problema de tratar essa questão com imediatismo, impulsividade. Os debates estão sendo feitos quase sempre em cima dos efeitos da violência, não de suas causas, desviando o foco das reais origens do problema.
Que tal nos mobilizarmos para cobrar uma profunda reforma na Fundação Casa, de forma que ela cumpra minimamente seus objetivos? Ou para cobrar outra profunda reforma no sistema carcerário brasileiro, que possui 40% de presos provisórios? Será que todos deviam estar lá mesmo?
E melhor ainda: que tal nos mobilizarmos para que o Governo invista pesado na prevenção da criminalidade, como escolas de tempo integral, atividades de lazer e cultura? Estudos mostram que quanto mais as crianças são inseridas nessas políticas públicas, menores as chances de serem recrutadas pelo mundo das drogas e pelo crime organizado.
“Quando o Estado exclui, o crime inclui”, afirma Castro Alves. “Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído.”
Na teoria o ECA é uma ótima ferramenta para prevenir a criminalidade. Mas há um abismo entre a teoria e a prática do ECA: a falta de políticas públicas para a juventude, a falta de estrutura e os abusos na Fundação Casa acabam produzindo o efeito contrário do desejado. Mesmo assim, a reincidência no sistema de internação dos adolescentes é de aproximadamente 30%. No sistema prisional comum é de 60%, segundo o Ministério da Justiça.
No fim das contas, suspeito que boa parte da sociedade não quer recuperar os jovens infratores. Muitos gostariam mesmo é de fazer justiça com as próprias mãos ou que o Estado aplicasse a pena de morte, como sugeriu o filósofo Janine Ribeiro no calor da emoção. Mas já que isso não é possível, então “que apodreça na cadeia junto com os adultos”.
Por causa de fatos isolados, como a tragédia do menino João Hélio e do estudante Victor Hugo, cobram do governo a redução da maioridade penal, uma atitude impulsiva e irresponsável que iria piorar ainda mais a questão da violência no Brasil. A questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?
* Vinícius Bocato é estudante de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e designer gráfico.
** Publicado originalmente no blog Vinícius Bocato e retirado do site Revista Fórum.


terça-feira, 9 de abril de 2013

CARANDIRU E NUREMBERG



Carandiru e Nuremberg
Carlos Alberto Lungarzo
9 de abril de 2013
No dia 15-04-2013 começa o julgamento do processo dos PMs executores do massacre ocorrido na prisão de Carandiru em 1992, em São Paulo. Iniciado hoje, precisou ser adiado por uma semana já que logo no início uma das cinco juradas teve uma crise nervosa durante a leitura. Ela não conseguiu resistir o relato das atrocidades cometidas pela polícia.
Como acontece com todo evento futuro num processo que envolve ações humanas (guerras, migrações, julgamentos, etc.) o resultado não pode ser predito e seria temerário arriscar opinião.
Entretanto, tendo em conta que o Estado de São Paulo está, junto com algumas regiões de África e Ásia - como Sudão, Irã, Kampuchea (Camboja), China, Pyongyang, e outros -, entre os maiores violadores de direitos humanos do planeta, surge a tentação de externar algumas suspeitas.
Por um lado há aspectos históricos de nossa formação a considerar. Nós, latino-americanos, fomos colonizados pela Espanha e Portugal, ou seja, o mais atrasado, obscuro e sangrento do imperialismo europeu de todos os tempos. Nossos países  não conheceram o iluminismo, nem o direito humanitário, e as influências da Revolução Francesa foram “adaptadas” para favorecer as classes dominantes republicanas, que não eram mais esclarecidas que as do império.
Os fatos mais específicos confirmam isto amplamente. O TJ de SP fraudou o veredicto do conselho de sentença, no caso do carniceiro-mor de Carandiru, aduzindo razões ridículas. Numerosos agentes de estado foram descriminalizados por atos contra civis, e até receberam parabéns e “reparações”, como o jovem promotor que assassinou um rapaz desarmado com 12 tiros numa praia, por um absurdo surto de ciúmes. Um número impossível de calcular de infratores por roubos insignificantes foram condenados com penas draconianas, como o da menina deficiente que esteve presa vários anos por furtar um shampoo, que foi torturada na prisão e perdeu um olho, caso relatado pela jornalista Tatiana Merlino, que recebeu por isso o prêmio Herzog de 2009. Além das incontáveis mortes de moradores de rua, assassinatos e torturas de habitantes da FEBEM, prêmios aos esquadrões da morte oficiais, enfim, não há uma única barbárie que esteja fora da agenda da escravocracia do Opus Dei, e dos demais violadores de direitos humanos instalados no estado de São Paulo.
Para quem não lembra o detalhe, o Opus Dei foi escolhido (no final dos anos 40) como doutrina básica do fascismo espanhol. Isso porque o franquismo entendeu que o fascismo tradicional de José Antonio Primo de Rivera e Orbaneja, chamado “Falangismo”, era brando demais para o nível de sangue que as elites hispânicas reclamavam.
No julgamento dos autores da chacina do Carandiru houve uma fraude incrível. Um obscuro político, que atuava como defensor destes, tentou influenciar o conselho de sentença com um ato absolutamente ilegal como levar seus membros a percorrer a prisão de Carandiru após o massacre. Contrariamente a seus propósitos, o júri votou contra os algozes, pois o sórdido experimento repugnou aos membros do conselho.
Por outro lado, há também razões genéricas para temer que as punições aplicadas aos atores do democídio do Carandiru (se houver alguma) sejam subdimensionadas.
Primeiro, embora muitos tentem enganar a opinião pública, hoje ninguém ignora que os crimes do terrorismo de estado não são crimes políticos (no sentido de crimes contra o despotismo), nem são crimes comuns (como assalto, roubo, briga, etc.) O terror de estado produz crimes contra a humanidade, algo que foi enunciado explicitamente em Nuremberg, há 65 anos. Parece, porém que esse tempo foi insuficiente para que nossos juristas tomassem conhecimento.
Crimes de enorme potencial destrutivo e reprodutivo, dirigidos contra a condição humana em seu conjunto, não devem ser julgados por tribunais comuns, muito menos quando esses tribunais têm um passado de conivência com os autores.
Segundo, a idéia de que os poderes públicos são independentes um do outro, num continente eivado por todo tipo de cambalacho, é algo que nem os mais desinformados engolem. Salvo uma pequena e corajosa minoria (Juízes para a Democracia, por exemplo, ou grupos reduzidos de procuradores), os agentes jurídicos estimulam a violência policial, pois ela é a que enche as prisões, aumentando a aparência de bom desempenho do aparato repressivo (quanto mais presos, melhor), das iniquidades do sistema jurídico-prisional e fazendo as delícias do público fascista, herdeiro do Integralismo. Além de encobrir democidas e torturas, alguns magistrados presenciam os tormentos e estabelecem limites para que o torturado não morra antes da confissão.
 Terceiro, e finalmente, é difícil que os crimes contra a humanidade possam ser julgados pelos próprios países em que se cometem. O Estado julgando o Estado é um sarcasmo contra o senso de justiça. Qual júri permitiria entre seus membros o próprio réu?
Tenho ouvido muitas referências elogiosas à justiça argentina por ter conseguido julgar 200 militares, policiais e criminosos civis a eles vinculados, da última ditadura. Sem dúvida, a justiça atuou dignamente, comparada com qualquer outra do continente, mas ela não poderia ter feito isso (que, aliás representa pouco mais de 2% do total de assassinos ao serviço do Estado que cometeram crimes atrozes), sem a enorme pressão interna no país (300.000 familiares de desaparecidos que militaram durante 30 anos, e continuam militando, por esse julgamento), além da pressão de governos de países democráticos que tinham cidadãos assassinados pela ditadura.
Observemos que há três anos, o STF protegeu os autores de torturas e democídio de mais de um milhar de vítimas brasileiras nos 20 anos da ditadura militar. Se usarmos esse padrão como referência, podemos pensar que o judiciário não se pronunciará em favor de vítimas que foram empurradas ao crime por uma sociedade classista, racista e escravocrata, e que depois foram assassinados para dar pão e circo aos linchadores de classe média e alta. Muitas das vítimas da ditadura eram universitários ou profissionais com nível de educação superior, o que para a mentalidade preconceituosa das elites é sempre um fator atenuante.
É verdade que o caso Carandiru foi julgado pela OEA, mas esta escolheu uma solução discutível. Aceitou não punir o Brasil se o estado melhorasse a condição das prisões. A priori, esta negociação poderia ser razoável, tendo em conta que o objetivo de uma ação deve ser melhorar o estado de coisas e não simplesmente punir. Mas, a CIDH da OEA sabia que carecia de poder para monitorar o cumprimento dessa promessa, que , obviamente, não se cumpriu!