Páginas
▼
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
sábado, 27 de outubro de 2012
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
terça-feira, 23 de outubro de 2012
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
domingo, 21 de outubro de 2012
BLASFEMIA: CRIME IMPOSSÍVEL
Blasfêmia: Crime Impossível
Carlos
Alberto Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ. Est. Campinas,
SP, Br.
21 de
outubro de 2012
O código penal brasileiro, como os códigos de outros países,
define o crime impossível. Este se encontra em seu artigo 17:
Não se pune a tentativa [de crime] quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime.
Por exemplo, são crimes impossíveis:
1) assassinar um cadáver;
2) roubar-se a si mesmo;
3) produzir lesões com um beijo a distância;
4) pretender enganar uma árvore, e assim
em diante.
Não menos
impossível que este é o crime de blasfêmia, por conta do qual,
muitas pessoas são presas, torturadas e assassinadas em países orientais, e
algumas outras sofrem penas de prisão e multa, incluso nos países ocidentais,
considerados “civilizados” e “democráticos”.
Há dois
casos terríveis que aconteceram há algumas semanas, e que representam, por um
lado, a barbárie de pretender punir um crime impossível e, por outro lado, a
insanidade de gerar uma onda vandalismo com numerosos feridos e até mortos.
O primeiro é
o caso de Rimsha Masih, uma adolescente paquistanesa acusada de “ofender”
o Al Qur’ãn. (Vide) O outro é o da reação demencial de
bandas de fanáticos de diversos países, que protestaram por causa de um filme que
“ofenderia” o profeta Maomé. (Vide). Este último caso não merece
especial comentário, na minha opinião.
Estes
exemplos se referem a “ofensas” de figuras ou objetos ditos “sagrados”
venerados pela fé islâmica, mas também
existem casos em que estas punições impossíveis se aplicam em outros credos,
como o católico. O fato de que as condenações por blasfêmia sejam menores nos
países cristãos, deve-se apenas a um acaso, e não ao fato de que a teocracia ocidental seja menos cruel que a
oriental. Simplesmente, uma parte importante de países europeus conseguiu
libertar-se (parcialmente) da
teocracia no século 19, enquanto a maioria dos orientais não conseguiu.
O Caso de Rimsha Masih
Uma jovem
paquistanesa pertencente à pequena comunidade cristã, chamada Rimsha (ou Riftah) Masih, foi detida
em Agosto desse ano pela polícia por uma suposta ofensa contra o dito “livro
sagrado” do Islã, o Al Qur’ãn. O estado de abandono em que vive a enorme
maioria de miseráveis do Paquistão é tão grande que não foi possível determinar
sequer a idade da menina, pois ela não está registrada, oscilando as
estimativas entre 11, 14 e 16 anos. Sabe-se que ela é doente mental, mas se
desconhece a natureza exata da doença, supondo alguns que seja Síndrome de Down.
Rimsha foi
encontrada com um livro queimado, cuja destruição talvez tenha sido o resultado
da tendência ao fogo de algumas pessoas com disfunções mentais. Dentro desse
livro, foram encontradas algumas páginas do livro “sagrado”. Encontrar estas
folhas queimadas produziu uma bárbara e insana reação de um grupo de adultos
que a acusavam de blasfêmia (ofensa
aos símbolos sagrados, que no caso do islamismo é Al Qur’ãn), e se preparavam
para seu linchamento.
Segundo
disse a polícia no primeiro momento, ela foi detida para evitar que fosse
linchada por essas hordas de fanáticos religiosos, que exigiam que se aplicasse
contra a ele a pena de morte. Esta
punição, repudiada na Europa, incluso para crimes gravíssimos, é comum nas
teocracias para punir as “ofensas” contra os símbolos ditos sagrados. A policia
aduziu que a queria proteger. Mas a jovem foi confinada numa prisão de alta
segurança, que é um local um pouco exótico para proteger alguém.
O caso
produziu uma fortíssima reação da opinião esclarecida mundial, mas encontrou
pouca repercussão nos governos que se beneficiam de suas relações diplomáticas
com o bárbaro estado. Os americanos, que tiram proveito da subserviência
paquistanesa, apenas protestaram simbolicamente, e só seis senadores enviaram
notas de repúdio a Islamabad.
O Papa se
pronunciou, não por sentimento humanitário, mas porque o ataque contra a menina
significava ameaçar a pequena comunidade cristã do Paquistão. Como diz a música
de Violeta Parra, o santo padre estava preocupado por sua “pomba”.
As Nações
Unidas protestaram com a pouca energia possível numa organização decadente, que
não consegue nem garantir a neutralidade nuclear de Oriente Médio. Mas, de
qualquer maneira, diversas agências internacionais e, sobretudo, numerosas
organizações de direitos humanos, se manifestaram com bastante indignação. Como
de hábito em questões de direitos humanos, o Brasil esteve “prudente”. Para que
brigar com os algozes paquistaneses por causa de uma menina doente e pobre?
Afinal, pode ser que Islamadab se interesse pelo pré-sal e até ajude com a
sempre sonhada bomba atômica tupiniquim.
Entre
diversas vocês respeitáveis, ouviu-se, como em outras épocas, a do governo
socialista da França:
França há “exigido às autoridades
paquistanesas libertar esta jovem”, e há reafirmado que “a simples existência do crime
de blasfêmia viola liberdades fundamentais, como a liberdade de religião e de
crença, e a liberdade expressão.” [Grifo meu] (vide)
Finalmente, Rimsha foi solta e só nos últimos dias os
tribunais paquistaneses a “absolveram” numa primeira instância, algo que é
totalmente absurdo, porque não se absolve a alguém que nunca cometeu nenhum
crime.
Entretanto, a história não acaba aqui, porque o “julgamento”
definitivo já foi adiado várias vezes.
Pior ainda: Rimsha não foi solta porque os carrascos tivessem
sido iluminados por uma mínima faísca de humanidade... Não! Ela foi absolvida
por uma razão tonta: o “crime” de blasfêmia foi cometido por um sacerdote
paquistanês (um imã), que colocou entre as páginas queimadas pela menina
algumas folhas do Al Qu’rãm.
Ele queria culpar a
comunidade cristã da região de Rawalpindi para causar sua expulsão do lugar.
Mas, se
Rimsha tivesse realmente queimado aquelas folhas, talvez ela teria ficado presa
ou teria sido executada... no meio ao cinismo das potências ocidentais que
falam de democracia, liberdade, direitos humanos e outras palavras nobres cujos
correspondentes factuais desprezam.
Finalmente,
em 18 de outubro, o ministro para a harmonia nacional Paul Bhatti prometeu que
a menina e sua família seguiriam sobre a proteção do governo. Pode parecer
inacreditável, mas o mais alto tribunal que julga o caso ainda não se
manifestou, e ADIOU SEU VEREDICTO PARA 14 DE NOVEMBRO.
Lamentavelmente,
a militância internacional contra esta atrocidade parece estar esgotada e não
tem podido prover uma solução drástica ao problema. É natural que a luta seja
tão árdua que quase ninguém resiste em permanente estado de protesto. Mas isto deve
abrir, junto com o caso recente de Malala (a menina que foi ferida a tiros por
assistir à escola, também em Paquistão), para que a minoria que possui alguma
honestidade na ONU, proponha algumas medidas.
A punição
por blasfémia deve ser considerada pelo Tribunal Penal Internacional como crime
de lesa humanidade, e o conceito de liberdade religiosa deve ser relativizado.
Se isso não aconteceu ainda é porque as grandes religiões do planeta movem
trilhões de dólares em todo tipo de investimento (desde imóveis até armas e
petróleo), embora também gastem muito na proteção jurídica de pedófilos.
Blasfêmia, Injúria Religiosa e Ódio Religioso
Estes três
conceitos não devem ser confundidos. Uma coisa é a injúria religiosa
contra um indivíduo ou uma comunidade. Isto pode oscilar de um insulto pessoal
que merece repúdio moral, mas está sujeito ao direito privado, até uma injúria
forte que coloca a quem a recebe numa situação de humilhação pública, constituindo, portanto, uma violação a seus
direitos humanos.
Ao insultar
uma pessoa por ser cristão, judeu, muçulmano, budista, umbandista, etc., a
vítima está sofrendo uma ferida moral que consiste em desprezar seu valor
humano, por considera-lo crente ou respeitoso numa fé ou seita que o injuriador
repudia. Este insulto pode ser pessoal ou de grupo, e sua gravidade dependerá
das circunstâncias em que foi proferida, da forma em que o ato do insulto tomou
estado público, das consequências psicológicas ou morais para essa pessoa.
Tanto o
valor da injúria como o tamanho da punição dependerá, em grande medida, na
maneira em que a “vítima” se sente afetada. Como toda crença pacífica merece inicialmente respeito, também um ateu
poderia se ofender se fosse injuriado. Mas, nesse caso, como em outros, a
gravidade dependerá da situação particular e da apreciação do próprio
injuriado.
Em geral, a
injúria religiosa é um ataque contra uma pessoa, e não contra uma
crença, pois as crenças são objetos abstratos e não podem ser factualmente
atacadas.
Já a mensagem de ódio religioso é algo muito
mais grave. Ele é um crime contra a humanidade e, dependendo de sua
intensidade, pode produzir danos reais numa comunidade, como acontece também com as
mensagens de racismo, de xenofobia, de homofobia, de misoginia, etc.
O holocausto
dos judeus pelos nazistas foi resultado da pregação de ódio racial, mas também,
parcialmente, religioso. Luteranos e Católicos alemães foram mobilizados contra
outros alemães que tinham “sangue” hebraica não apenas pelos racistas oficiais
do Reich, mas também pelos pastores e padres que exigiam o castigo dos que
mataram a Cristo 2000 anos antes. (Pelo jeito, no direito canônico não existe
prescrição, ou ela demora muito.)
A blasfêmia é algo totalmente
diferente. Quando alguém critica, satiriza, trata sem respeito, etc., um
símbolo dito “sagrado”, esta pessoa não
está querendo ofender àqueles que acreditam na sacralidade do objeto.
O que ele pretende
salientar é que não considera que esse objeto seja sagrado, e que não compartilha a
convicção de alguém que considera esse objeto intocável.
Por exemplo:
Muitas vezes, na América Latina, artistas progressistas desenharam cruzes
católicas atreladas a aviões ou bombas, querendo simbolizar a cumplicidade da
Igreja com ditaduras, guerras e genocídios. Isso foi chamado “blasfêmia” pelos
crentes, e até um prestigioso escultor argentino teve seu atelier destruído por
vândalos financiados pela prefeitura de Buenos Aires da época. Em realidade,
essas obras eram a descrição do ponto de vista de alguém que não acredita que
os símbolos inanimados (duas barras de prata cruzadas, por exemplo, cum uma estatua
necrológica pregada nelas) tenham qualquer qualidade de sagrado.
O blasfemo denuncia a sacralidade como uma
falsa crença, uma superstição, um fetiche. Isso não significa que os adoradores
desses fetiches sejam desprezados pelo “blasfemo”. Ele apenas mostra sua
rejeição por esse totemismo, e fixa uma oposição que, certa ou errada, tem todo
o direito de manifestar.
Por outro
lado, esse tipo de blasfemo contribui a iluminar as pessoas combatendo a
superstição e tentando que os que ainda possam, escapem do cabresto das castas
sacerdotais.
Se você
coloca um crucifixo de sua propriedade num local público e toca fogo em ele,
podem acontecer várias situações:
1. Você se limita a dizer que não
acredita em seu caráter sagrado. Isso chama-se iconoclastia e é uma crença que existe até entre os próprios
religiosos e possui uma história e uma influência muito grande. Por exemplo, os
dissidentes cristãos gregos do século XI destruíram crucifixos e estátuas de
santos para mostrar sua própria opinião sobre a adoração de objetos. Muitas seitas cristãs acham idolatria
considerar certos objetos sagrados. Neste caso, simplesmente está sendo
respeitada a liberdade de opinião.
2. Se você aproveita a queima do
crucifixo para provocar os católicos presentes, você pode estar proferindo uma injúria contra alguns deles. Se essa
injúria é grave ou não dependerá de vários fatores específicos.
3. Se, junto com a queima do crucifixo,
você lança uma mensagem propondo a guerra contra os católicos, você está
promovendo um crime contra a humanidade, algo como fizeram os nazistas com os
judeus. Você pode ser seriamente punido, não
por queimar um fetiche, mas por propor agressão contra os adoradores desse
fetiche. Com efeito, os símbolos são fetiches, mas seus adoradores são seres
humanos que merecem ser tratados com dignidade.
Na linguagem atual, (1) é uma
blasfémia e, num país minimamente civilizado, não pode ser delito; (2) é uma
injúria, cuja gravidade é relativa. (3) É um convite ao ódio de grupo e é um
crime gravíssimo.
Cabe ainda a possibilidade de que você
esteja queimando um crucifixo sobre o qual não tem direito de propriedade.
Nesse caso, você pode ser acusado de roubo ou destruição da propriedade alheia.
Observe que esta idéia de objetos
sagrados acontece também com símbolos
patrióticos e não apenas religiosos. Atualmente, a maioria dos países,
incluindo os Estados Unidos, consideram que a agressão à bandeira não é uma
infração e faz parte do direito de protesto contra o governo, o estado, ou
contra quem seja. Entretanto, alguns vestígios de arcaísmo ainda dominam em
certos países, como a Suíça e a Alemanha, onde existem punições contra a
dessacralização da bandeira.
domingo, 14 de outubro de 2012
RENATO JANINE RIBEIRO, COM QUEM O NÚCLEO JOSÉ REIS, AMIGOS NO FACEBOOK, COMPARTILHOU NOTÍCIA;Glória Kreinz divulga
"Veja" sobre Hobsbawm , a quem chama de idiota moral, por ter apoiado o comunismo até o fim. Esse foi mesmo um problema sério, que não pode ser descartado. Por que o grande historiador não repudiou regimes que promoveram chacinas terríveis? Mas nada disso justifica que a publicação exclua toda uma obra de qualidade, elaborada com rigor científico, em que a preferência política não chega a se tornar facciosa e que inspira muitos trabalhos também bons. Em suma, a revista cai no péssimo duelo Bem x Mal, que imbeciliza as pessoas.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
terça-feira, 9 de outubro de 2012
DEBATE NA USP;PARTICIPE-Glória Kreinz divulga
Manifesto Incêndio nas favelas: o urbanismo da destruição
Publicação corrigida em 9/10 às 10h50, com alteração da data do evento
A cidade de São Paulo vive uma situação de repressão crescente e constante nos últimos anos. O símbolo menos visível dessa repressão, talvez, é o capital especulativo, reproduzido por bancos, empreiteiras e grandes corporações.
Entendemos aqui repressão como qualquer ação que vise a destruição da dignidade, dos direitos civis básicos e do direito a livre organização, conforme ensina nossa própria Constituição. Repressão também é expropriar, direta ou indiretamente, destruir casas, proibir comercio ambulante, higienizar, através da expulsão da população pobre, as áreas centrais da cidade, reintegrar a posse de prédios vazios com donos devedores, privar o acesso à equipamentos públicos, obrar por transporte publico e sem qualidade, oferecer uma educação sucateada às classes sociais mais pobres, entre tantos outros inerentes a uma urbanização pautada não nos interesses sociais, mas nos interesses econômicos de uma parcela da população que já detém a maior parte da renda – ou seja, uma urbanização que mantém as coisas como estão.
Repressão
As polícias, cumpridoras sanguinárias da lei e da ordem, seguem executando covardemente algumas formas de repressão acima citadas (vide caso da comunidade Pinheirinho em São José dos Campos). Os governantes são diretamente responsáveis, inclusive pelos incêndios criminosos que ultimamente tem acometido as comunidades de trabalhadores pobres, as favelas, que, de tão marginalizadas historicamente, hoje são entendidas no senso comum como sinônimo de todas as coisas ruins que existem na metrópole.
Em São Paulo, existem 1.600 favelas onde vivem milhares de famílias. Histórias de vida são reduzidas a pó a cada incêndio. Passam-se os anos, dezenas de favelas pegam fogo por causas acidentais ou não, e o que se percebe algum tempo depois (num espaço de dias, meses ou anos) é que essas áreas são destinadas ao jogo sujo do capital especulativo, daqueles que não tem coragem de se expor, mas que constroem condomínios de luxo ou equipamentos públicos que priorizam a exclusão. Tais áreas nunca são destinadas à construção de moradia digna que possibilite a manutenção da população no local.
Mazelas
Essa, por sua vez, é enviada às periferias da grande metrópole para que a sociedade não veja a degradação do ser humano, uma vez que São Paulo, a locomotiva do Brasil, não pode demonstrar suas mazelas às pessoas de bens que por ela transitam (vide a cracolândia, que há alguns meses foi limpa com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral e que, pela falta de qualquer projeto social, está de volta ao mesmo lugar e a todo vapor).
Estatisticamente, os incêndios nem aumentaram, nem diminuíram: estão iguais, mantendo um ritmo sinistro de exterminação de vidas. Favela do Pau Queimado, Favela do Canão, Favela do Jaguaré, Favela do Piolho, Favela do Moinho e tantas outras mais incendiadas por capatazes a mando dos grandes empresários da construção civil, que põem fogo numa favela com a mesma tranquilidade com que acendem seus charutos.
Doadoras de Campanhas
A imprensa noticiou que as empreiteras e incorporadoras estão entre as maiores doadoras para as campanhas eleitorais, tanto municipais, quanto estaduais e federais. Entretanto, esta frase está incorreta. Estes grupos não doam, investem. E, como todo investimento, querem retorno, mesmo que seja às custas da vida humana: reintegrações de posse, remoções, parques lineares (com o discurso ambiental por trás), enchentes e, o elemento que tem se notado com mais frequência , os incêndios em favelas. O poder público é o sócio majoritário da perversidade da lógica do mercado, num jogo em que se aproveitam da ocupação de espaços ao longo de décadas e da construção de infraestrutura mínima de vida, para depois agir com formas diretas e indiretas de despejos (pelo aumento do custo de vida nessas regiões), atendendo as necessidades insaciáveis da iniciativa privada. São nesses momentos que as mãos invisíveis do mercado têm cores bem definidas.
Valorização Imobiliária
A crueldade dessa prática se revela ao notarmos que as favelas incendiadas localizam-se, em sua imensa maioria, em áreas de valorização imobiliária, em nítido contraste com a ausência de incêndios em favelas que se encontram em regiões onde a especulação ainda não chegou - nas periferias da cidade, que é onde o poder público quer esconder aqueles que teimam em morar em lugar que não foi “feito para pobre”. O cinismo e o escárnio tomam conta da explicação oficial: o tempo seco. Seriam as periferias de São Paulo mais úmidas que as áreas centrais? Sem dúvida, haverá aqueles que buscarão modelos científicos que legitimem mais uma faceta da violência cotidiana contra a pobreza.
Incêndios Criminosos
Não é segredo que tais incêndios são criminosos. Contudo, ainda assim, o poder público insiste em não investigar seriamente as causa que transformam uma imensidão de histórias de vida em pó. Tudo ocorre com muita naturalidade: o Corpo de Bombeiros, parte constituinte da Polícia Militar, chega nas ocorrências de incêndio em favela quase sempre com muito atraso, usa seus equipamentos para conter o fogo e, sem que isso seja de sua competência, avalia a possível causa do incêndio. Ao passo que, quando a Defesa Civil chega, não há que fazer nenhum trabalho, afinal, a causa já foi apurada.
A fiação elétrica, o famoso gato, entra como principal vilão de uma cidade com combustão espontânea, seguido por descuidos e conflitos domésticos, afinal, só mesmo em casa de pobre panela de pressão pode virar bomba nuclear e um casal-bomba quer destruir a própria residência construída com tanto esforço.
Causas
Assim, se o Estado, por tudo que já foi colocado neste manifesto, não tem nenhum interesse em buscar as raízes destes incêndios, a sociedade civil está fazendo o papel de denunciá-los e exige explicações.
Com esse manifesto queremos convidar a todos, professores (universitários, da rede publica, da rede particular), estudantes (idem), moradores de comunidades que sofrem a repressão do capital selvagem e cidadãos para pensar em modelos de urbanização que confrontem essa fome insaciável da especulação imobiliária e financeira; pensar em propostas - e não somente fazer denuncias - que respeitem a autonomia e a historia de vida de milhares de pessoas que, desamparadas pelo poder público e impelidas pela necessidade, em um enorme exemplo de auto-organização e de coletividade, constroem comunidades complexas, com relações de convivência respeitosa e que nada mais querem do que viver na própria moradia, ter acesso à cidade e serem tratadas com dignidade e respeito pela mesma sociedade que as criou e da qual fazem parte. Reconhecer o direito de permanência dessas comunidades é reconhecer o direito à sua própria história.
Ato-Debate na USP
Por fim, Convidamos a todos a endossar esse manifesto e a participar do ato-debate contra os incêndios na cidade de São Paulo, que será realizado no dia 9 de outubro na USP, no prédio da História e Geografia, com a participação de professores, trabalhadores, estudantes, movimentos sociais e moradores das comunidades atingidas pelos incêndios
Informações
Ato-debate contra os incêndios criminosos em São Paulo
Data e hora: 10 de Outubro, às 18h30
Local: Prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Debatedores: Raquel Rolnik, José Arbex, Jorge Grespan, Rui Braga
Informações: lutadasfavelas@riseup.net
domingo, 7 de outubro de 2012
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
terça-feira, 2 de outubro de 2012
UM FUTURO SEM ERIC HOBSBAWM
Um Futuro sem Eric Hobsbawm
Carlos Alberto
Lungarzo
Professor (r) UNICAMP, SP, Br.
2 de outubro
de 2012
Não é possível dizer que a morte de uma pessoa de 95 anos, em
pleno estado de lucidez e produtividade, seja uma crueldade do destino. O
historiador marxista Eric John Ernest
Hobsbawm (1917-2012), nascido numa família judia do Egito e grande símbolo da
intelectualidade da Grã Bretanha, viveu uma vida emocionante. A sociedade
inglesa hesitou em reconhecer o talento de um dos mais brilhantes inimigos dos
sistemas em que se baseou o florescimento britânico: o capitalismo e o
imperialismo. Só em 1970, com 53 anos, foi nomeado full professor, um cargo que merecia desde duas décadas antes. Como
ele mesmo disse, o macartismo britânico era um “macartismo brando”: “ele não te
bota na rua, mas também não te permite avançar”.
Eric Hobsbawn é o paradigma do intelectual que aproveitou bem a
vida. Sua morte priva ao mundo de uma aguda inteligência, de uma erudição
racional e científica e de uma mentalidade popular e simples que colocou os
fatos obscurecidos pela petulância da academia tradicional numa linguagem
limpa, lúcida e acessível aos grandes grupos. Aliás, ele descobriu fatos que
nunca tinham sido percebidos, e estabeleceu relações que nenhum outro
historiador (mesmo marxista) havia reconhecido antes.
De fato, pode ser considerado o primeiro historiador do século 20,
que abordou com critério científico (e não apenas partidário, como Lenin ou
Stalin) a realidade histórica da luta de classes. Este campo foi aberto por
Marx e Engels, mas depois foi obscurecido pela banalização da historiografia
nobiliária ou militarista, que centra seu estudo em “heróis” e “próceres”.
Deve ter-se em conta que muitos intelectuais marxistas de verdadeiro
peso, como Antonio Gramsci e György Lukács, elaboraram teorias que foram
originais, mas tinham uma forte motivação prática na militância. Eles queriam
construir ferramentas conceituais para o triunfo de suas causas, mas talvez não
houvessem estudado com a necessária profundidade os fenômenos dos quais essa
vitória dependia.
A Escola de Frankfurt, a grande criadora do nexo entre a temática
clássica do marxismo e a análise da subjetividade humana, teve algumas
contribuições capitais representadas por Herbert Marcuse, Erich Fromm e Wilhelm
Reich. Sem eles, seria impossível entender a motivação psicológica de fatos
cruciais do século 20, como o nazismo, o fascismo, o racismo e, em geral, a
brutalização das massas e a construção dos fetiches religiosos. Eles
descobriram que a causa da crueldade e a barbárie era a repressão do traço mais
emancipador dos humanos: a sexualidade.
Neste sentido, a obra conjunta da Escola de Frankfurt teve muito maior
impacto na luta pela liberdade que o trabalho de Hobsbawm. Mas a Escola não
quis ou não pôde dotar suas descobertas de rigor científico, preferindo manter
seus valiosos achados no nível de intuição e da heurística.
Trabalhando num plano menos ambicioso, o historiador anglo-egípcio
consegue harmonizar vários fatores da pesquisa e da exposição sócio histórica,
que não eram integrados com esse nível de coerência desde os clássicos
trabalhos historiográficos de Marx e Engels. Compare, por exemplo, A Era do Capital, de Hobsbawn com os estudos históricos dos fundadores
do marxismo na mesma época. (Uma fonte para esta tarefa pode ser a coletânea Marx-Engels, Geschichte und Politik, ed. Fisher)
Basicamente, os três principais fatores foram:
(a) Informação histórica
relevante, inteligentemente escolhida, cuidadosamente justificada,
rigorosamente descrita e verificada. (b) Análise profunda das consequências
desse saber histórico para abordar o presente. (c) Extrema clareza
de sua exposição, que, como aconteceu com Marx, Engels e Kropotkin, transformava
conhecimentos profundos em matéria acessível para os leitores mais simples.
Se nos cingirmos à qualidade científica, à clareza didática e à capacidade
de inserir as descobertas na perspectiva histórica, Hobsbawn pode ser comparado
apenas com poucos pesquisadores marxistas nas ciências humanas. Por exemplo, com os economistas Ernest Mandel
e Oskar Lange, os cientistas sociais Leo Huberman, Paul Baran e Paul M. Sweezy,
o sociólogo Thomas Bottomore, o historiador Perry Anderson e alguns outros. Mas,
ele conseguiu fazer um deciframento muito amplo dos fenômenos históricos dos
séculos 19 e 20, enquanto os outros colegas desenvolveram pesquisas mais
técnicas e circunscritas.
Em outros aspectos de sua atividade, Hobsbawm há sido criticado
por marxistas independentes e por liberais de esquerda, por sua filiação ao
Partido Comunista Britânico e sua permanência nele, apesar de todas as
atrocidades stalinistas. Mas, em realidade, sua posição neste ponto é confusa.
Ele criticou a invasão da URSS à Hungria em 1956 e à Tchecoslováquia
em 1967, mas, diferentemente da enorme maioria dos intelectuais europeus, não
foi capaz de romper com o partido. Possivelmente (como milhões de outras
pessoas de sua geração) sofresse do feroz trauma deixado pelo nazismo, e achava
que a União Soviética devia ser admirada como um símbolo da resistência.
Hobsbawm deve ser considerado como um dos maiores aplicadores dos
critérios científicos e historiográficos marxistas na análise da realidade
social dos séculos 19 e 20, incluindo o estudo dos primitivos grupos
revolucionários espontâneos descritos com comovedora beleza em Primitive Rebels.
Entretanto, seu posicionamento sobre os sacrifícios massivos da
sociedade para atingir um nível mais alto de desenvolvimento histórico (como a
luta semi-suicida de milhões de russos para proteger seu sistema social dos
nazistas) é ambíguo. Por um lado, ele parece justificar o sacrifício individual
em prol de uma estrutura abstrata e genérica como o “estado socialista”, em
oposição, nesse sentido, ao humanismo marxista da Escola de Frankfurt e do
próprio Marx da juventude. Por outro, o fracasso do “socialismo real” o afundou
na decepção e na necessidade de revisar suas propostas.
No entanto, o grande historiador não deve ser julgado como ideólogo
nem como militante, papeis nos quais não teve destaque nem pretendeu ter. Mas
devemos lembrar que o estudo histórico é um processo essencial para construir
um projeto racional e humano de sociedade. Aí, nas descobertas de novos fatos,
na percepção de conexões entre fenômenos históricos diversos e na capacidade de
interpretá-los de maneira clara e objetiva, aí está o mérito do velho Eric. Não podemos
pedir mais dele.