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A MULHER É O NEGRO DO MUNDO




‎"A mulher é o negro do mundo. A mulher é a escrava dos escravos. Se ela tenta ser livre, tu dizes que ela não te ama. Se ela pensa, tu dizes que ela quer ser homem."
John Lennon *IMAGEM :PERSEGUIÇÃO ÀS BRUXAS http://pt.wikipedia.org/wiki/Bruxa

QUEM TEM MEDO DA REVOLUÇÃO?

Por Celso Lungaretti

Um espectro ronda a esquerda: o  espectro da revolução.

Pelo mundo inteiro pipocam manifestações contra a ganância, essência do capitalismo -- com uma força e abrangência que não se viam desde as primaveras de 1968.

E, quando as rodas da História começam de novo a girar, após quatro décadas de marasmo e consumismo, a esquerda  moldada na fase do refluxo revolucionário  não consegue acompanhar os ventos de mudança.

Continua defendendo com unhas e dentes os regimes híbridos que sustentaram nossa fé nos anos difíceis, sem acordar para a realidade de que estamos ingressando numa época na qual podemos novamente sonhar com -- e devemos novamente lutar por -- uma revolução nos moldes clássicos.

Ou seja, internacional e desencadeada de baixo para cima, tendo os explorados como sujeito e não como objeto. 

Chega de abençoarmos aquelas ditaduras instauradas por quarteladas que, qual fazendas modelos,  cuidavam bem do seu gado enquanto não tugisse nem mugisse! Não são e nunca foram o que, marxistas e anarquistas, tínhamos como meta, mas, aos olhos dos cidadãos despolitizados e manipulado pelas indústria cultural, acabam se identificando conosco, como se fôssemos totalitários e carniceiros. 

O panorama que hoje se vislumbra é muito mais grandioso. Como Vandré cantou em 1968, temos de novo a certeza na frente e a História na mão.

BECO  SEM SAÍDA

Já faz quase um século que os movimentos revolucionários desviaram por atalho que acabou conduzindo a um beco sem saída.

O desvio foi decidido às vésperas da revolução soviética, quando o Partido Bolchevique discutiu dramaticamente se valia a pena tomar-se o poder num país atrasado, contrariando duas premissas marxistas: a da revolução internacional e a da construção do socialismo a partir das nações economicamente mais pujantes (e não o contrário!).

Foi uma avaliação arguta ou um dom profético que levou Marx a pregar uma tomada de poder em escala global?  A História comprovaria ser o capitalismo tão poderoso que, se nações isoladas tentam edificar uma sociedade mais justa, ou são por ele esmagadas, ou sobrevivem ao preço da descaracterização de suas propostas originais..

"...embora a Rússia não estivesse pronta para o
socialismo, serviria como estopim da revolução mundial..."
Em 1917, prevaleceu o argumento de que, embora a Rússia não estivesse pronta para o socialismo, serviria como estopim da revolução mundial, começando pela revolução alemã, prevista para questão de meses. Então, o atraso econômico russo seria contrabalançado pela prosperidade alemã; juntas, efetuariam uma transição mais suave para o socialismo.

Deu tudo errado. A reação venceu na Alemanha, a nova república soviética só pôde depender de si mesma e, após rechaçar bravamente as tropas estrangeiras que tentaram restabelecer o regime antigo, viu-se obrigada a erguer uma economia moderna a partir do nada.

Quando o ardor revolucionário das massas arrefeceu -- não dura indefinidamente, em meio à penúria --, a mobilização de esforços para superação do atraso econômico acabou se dando por meio da ditadura e do culto à personalidade.

A Alemanha nazista era o espantalho que impunha urgência: mais dia, menos dia haveria o grande confronto e a URSS precisava estar preparada. O stalinismo foi engendrado em circunstâncias dramáticas.

A república soviética acabou salvando o mundo do nazismo -- foi ela que quebrou as pernas de Hitler, sem dúvida! --, mas perdeu sua alma: já não eram os trabalhadores que estavam no poder, mas sim uma odiosa  nomenklatura.

Concretizara-se a profecia sinistra de Trotsky: primeiro, o partido substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o partido; finalmente, um tirano substitui o Comitê Central.

Com uma ou outra nuance, acabou sendo este o destino das revoluções que tentaram edificar o  socialismo num só país: foram  isoladas, tornaram-se autoritárias e não tiveram pujança econômica para competir com o mundo capitalista, acabando por sucumbir ou por se tornarem modelos híbridos (como o chinês, que mescla capitalismo de estado na economia com despotismo stalinista na política).

E AGORA, JOSÉ?

Agora, só nos resta voltarmos ao princípio de tudo: Marx.

Reassumirmos a tarefa de engendrar  a onda revolucionária que varrerá o mundo.

Esquecermos a heresia de solapar o capitalismo a partir dos seus elos mais fracos, pois o velho barbudo estava certíssimo: as nações economicamente mais poderosas é que determinam a direção para a qual as demais seguirão, e não o contrário.

Isto, claro, se tivermos como meta a condução da humanidade a um estágio superior de civilização. Pois o cerco das nações prósperas pelos rústicos e atrasados já vingou uma vez, quando Roma sucumbiu aos bárbaros... e o resultado foi um milênio de trevas.

Se, pelo contrário, quisermos cumprir as promessas originais do marxismo, as condições hoje são bem propícias do que um século atrás:
"...crises tão agudas que só unidos e 
solidários conseguiremos sobreviver..."
  • o capitalismo já cumpriu seu papel histórico no desenvolvimento das forças produtivas e está tendo sobrevida cada vez mais parasitária, perniciosa e destrutiva -- tanto que mantém a parcela pobre da humanidade sob o jugo da necessidade quando já estão criadas todas as premissas para o  reino da liberdade, e o 1º mundo sob o jugo da competitividade obsessiva, estressante e neurótica, quando já estão criadas todas as premissas para uma existência fraternal, harmoniosa e criativa;
  • os meios de comunicação que ele desenvolveu, como a internet, facilitam a disseminação e coordenação dos movimentos revolucionários em escala mundial, de forma que um novo 1968, p. ex., hoje seria muito mais abrangente (está longe de ser utópica, agora, a possibilidade de uma onda revolucionária varrer o mundo);
  • a necessidade de adotarmos como prioridade máxima a colaboração dos homens para promover o bem comum, em lugar da ganância e da busca de diferenciação e privilégio, será dramatizada pelas consequências das alterações climáticas e da má gestão dos recursos imprescindíveis à vida humana, gerando crises tão agudas que só unidos e solidários conseguiremos sobreviver.
Nem preciso dizer que a forte componente libertária original do marxismo tem de ser reassumida, pois os melhores seres humanos, aqueles dos quais precisamos, jamais nos acompanharão de outra forma (esta é uma das conclusões mais óbvias a serem tiradas dos acontecimentos das últimas décadas).

A bandeira da liberdade deve ser empunhada de novo pelos que realmente a podem concretizar, não pelos que só têm a oferecer um cativeiro com as grades introjetadas, pois a indústria cultural as martela dia e noite na cabeça dos  videotas.

É este o edifício sólido que podemos começar a construir com os tijolos do muro de Berlim e tantos outros muros tombados.

E é esta a postura com que poderemos nos afirmar como o que devemos e temos a obrigação de ser: a vanguarda dos  indignados  de todos os quadrantes.

MARCELO ROQUE - O BELO

VEJA TAMBÉM EM UM DOS BLOGS DE MARCELO ROQUE, LUTANDO PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CONTRA TODAS INQUISIÇÕES - POETA MARCELO ROQUE
http://abradicusp.blogspot.com/

FOLHAS AO VENTO - MARCELO ROQUE

BLOG DO POETA MARCELO ROQUE, PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
http://abradicusp.blogspot.com/


COMEMORANDO LANÇAMENTO DA ANTOLIA DE POESIAS II
Folhas ao Vento

Da janela, vejo as folhas de outono ... caídas
E torna a saudade,
tudo tão lindamente triste
Neste instante,
não há dor nem esperança que não me pertençam
E tudo se faz tão sentido
que toda a vontade que existe
se resume em tocar o teu corpo;
profunda e sutilmente
Qual primavera a tocar uma flor

Marcelo Roque

O REINO DA LIBERDADE E AS FAZENDAS-MODELO

Por Celso Lungaretti


"A praça é do povo!
Como o céu é do condor.
É o antro onde a liberdade
cria águias em seu calor".
(Castro Alves)

Está no noticiário:
"Forças de segurança da Síria atacaram ativistas pró-democracia ontem, deixando mais de 30 mortos.

Os protestos pela saída do ditador Bashar Assad já duram sete meses. O governo tem reagido com truculência. A ONU estima que os conflitos deixaram 3.000 vítimas até agora.

Ativistas afirmam que as forças de segurança perseguiram os manifestantes ontem (6ª, 28), atirando com metralhadoras. As linhas telefônicas e a internet foram suspensas.

Os pontos de maior conflito foram Homs e Hama, na região central do país. São áreas de forte oposição ao regime.

A Síria restringe a entrada de jornalistas no país, o que impede a averiguação independente das informações".
Ao contrário de Muammar Gaddafi, o  açougueiro de Damasco  não é defendido nem mesmo pelo mais tacanho dos esquerdistas autoritários.

O que, entretanto, não tem implicado um posicionamento firme e manifestações de repúdio a este tirano indiscutivelmente cruel e repulsivo.

É chocante e lamentavel: a esquerda parece ter perdido a capacidade de indignar-se contra a bestialidade dos déspotas.

Quando há justificada revolta contra eles, fica com um pé na frente e outro atrás, temendo que seja instigada pelo imperialismo, para colher qualquer vantagem econômica ou política.

Exatamente como fez quando da revolução húngara de 1956 e da  Primavera de Praga  em 1968.

Das duas grandes bandeiras da humanidade através dos tempos -- a justiça social e a liberdade --, estamos, obtusamente, abdicando da segunda.

Com isto, deixaremos de encarnar as esperanças numa sociedade que possibilite a realização plena do ser humano, em termos materiais e espirituais.

O maravilhoso objetivo final de Karl Marx -- a instauração do "reino da liberdade, para além da necessidade" -- é trocado, na prática, por outro bem mais prosaico, a instalação de fazendas-modelo, nas quais os animais sejam bem tratados enquanto se mantiverem submissos à vontade dos amos.

Então, quando as manifestações anticapitalistas deixam de ser necessariamente manifestações comunistas ou anarquistas, como está acontecendo na Europa, não temos do que nos queixar. Somos nós mesmo que estamos atraindo descrédito para nossas causas, pois as amesquinhamos em nome de um pretenso realismo político.

É hora de, escutando a voz das ruas, voltarmos a trilhar os caminhos de Marx e Proudhon.

Ou desempenharemos papel secundário neste momento em que as vítimas do capitalismo começam a despertar de sua letargia, depois de quatro décadas de conformismo.

MARCELO ROQUE E MUITO MAIS

TAMBÉM EM UM DOS BLOGS DE MARCELO ROQUE - POETA MARCELO ROQUE
http://abradicusp.blogspot.com/



VEJA O ARTIGO DE CELSO LUNGARETTI, NOSSO PARCEIRO NO BLOG SARAU PARA TODOS, SOBRE FASCISMO E MENTIRAS NA INTERNET, PORQUE O BLOG DE MARCELO ROQUE ESTÁ SOFRENDO ESTE TIPO DE VIOLÊNCIA TAMBÉM,JÁ QUE NUNCA ENVIOU NADA PARA NINGUÉM

http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

ARGENTINA: CONDENAÇÃO A CRIMINOSOS MILITARES




Argentina: Condenação a Criminosos Militares
Carlos A. Lungarzo
AIUSA 9152711
Ontem foi um dia importante não apenas para a Argentina, mas para todos os países que sofreram ditaduras militares cujos autores ainda não foram processados por seus crimes. Também para os governos democráticos, mesmo os de direita, que tiveram cidadãos sequestrados e assassinados pela última ditadura Argentina. A sinistra canalha uniformada destruiu, entre outros milhares, a vida de estrangeiros de 32 países diferentes. Desses países, alguns colaboraram com a ditadura (como o Brasil, o Chile e a Itália), mas outros moveram céu e terra para que se fizesse justiça com seus cidadãos vítimas, como a Suécia, a França e a Alemanha.
Mas também foi um dia emocionante para qualquer país civilizado. Pela terceira vez na história moderna, após Nuremberg e o julgamento dos coronéis gregos, foi realizado um processo judicial profundo, não condicionado, dentro dos mais rigorosos princípios do direito humanitário, de 18 antigos membros da última ditadura Argentina. Deles, 16 foram condenados, 12 a prisão perpétua, e outros 4 a períodos de 18, 20 e 25 anos de reclusão.
É verdade que todos os países que tiveram ditaduras, salvo o Brasil e a Honduras, instalaram comissões de verdade ou tribunais para julgar os carrascos. A mesma Argentina fez isto em 1984, e levou perante os juízes quase uma dúzia de oficiais. Mas as condenações geradas nesses julgamentos acabaram sendo anuladas.
Antes do julgamento de ontem, a Argentina já tinha condenado 209 criminosos militares e cúmplices civis e eclessiais, mas isso foi conseguido pela administração Kirchner, num esforço minucioso e esforçado desde 2002. Todavia, nenhum desses processos tinha atingido tal quantidade de genocidas, e tampouco seu simbolismo era tão forte. Todos os condenados no dia 26 foram chefões da Escuela de Mecánica de la Armada (Escola de Mecânica da Marinha, ESMA), a mais emblemática instituição dos carniceiros argentinos, e o mais destrutivo dos 360 campos de extermínio que a demência assassina dos fardados, junto com seus muitos cúmplices civis, ergueram ao longo do país.
Há numerosas notícias publicadas hoje (27 de outubro) em português. (Vide.)

O Julgamento do 26 de Outubro

As sentenças pronunciadas em 26/10/2011 pelos juízes Daniel Obligado, Ricardo Farías e Germán Castelli, no 5º Tribunal (Oral) Argentino são o resultado de 22 meses de julgamento oral e de numerosos problemas e sabotagens.  A promotoria apresentou 250 testemunhas e numerosas provas, mas deveu suportar o jogo sujo da defesa, as falsidades, os incidentes provocados, a campanha surda da Igreja e das corporações militares e civis, o assassinato ou sequestro de testemunhas e a intimidação através de atos de terrorismo.
Foi uma luta duríssima contra o espírito da Inquisição, o militarismo, o estado policial, a mídia mercenária, e os advogados sem escrúpulos. Se os algozes foram julgados e condenados, isso foi graças ao enorme esforço da comunidade nacional e internacional de direitos humanos, da minoria de juristas humanitários, e de ativistas compromissados que arriscaram suas vidas numerosas vezes. Vários deles, como Jorge Júlio Lopez (vide) e Víctor Martínez (vide) desapareceram, e outros, como Silvia Suppo (vide), foram assassinados.
Os militares da ESMA foram acusados de oitenta e seis casos comprovados de sequestro, tortura, assassinado e desaparição, mas a dimensão de seus crimes é muito maior. Cálculos muito bem fundamentados estimam entre 4.500 e 5.600 o número total de vítimas do sinistro campo de extermínio. Seria absurdo dizer que, entre os condenados ontem, alguém não fosse cúmplice de todos esses crimes, cuja execução foi resultado de um projeto tão doentio como o que implementaram os nazistas. Se as quantidades são menores, é porque os militares argentinos não tiveram a decisão nem a capacidade dos nazistas, mas não, com certeza, porque fossem menos truculentos.
O jornalista argentino Jacobo Timerman, que fora inicialmente cúmplice dos militares, e que acabara sendo preso e torturado por eles (porque, afinal, os militares não confiavam em judeus, mesmo de direita), disse em seu livro Preso sem Nome, Cela sem número, que a ditadura argentina foi pior que o nazismo, no sentido de crueldade, sadismo e aberrações.
Os 12 condenados a prisão perpétua pelo Tribunal Federal 5º da Argentina são:
Alfredo Astiz – “herói” das Malvinas, assassino de várias freiras, de mães de Praça de Maio e da adolescente sueca Dagmar Hagelin.
Jorge “Tigre” Acosta, célebre psicopata que obrigava suas vítimas a rezar.
E os seguintes: Ricardo Cavallo, Antonio Pernías, José Montes, Raúl Scheller, Jorge Rádice, Adolfo Donda, Alberto González,  Néstor Savio e Julio César Coronel e Ernesto Weber.
Os “feitos” destes genocidas “menores” não merecem ser lembrados. Sua condenação é necessária como amostra da culpabilidade da quase totalidade dos membros das forças armadas do país, salvo quatro coronéis reformados que tentaram se opor à ditadura e foram punidos. Mas, há milhares de oficiais e subordinados que foram responsáveis de crimes desse estilo, e dúzias de milhares de civis que, como no nazismo, foram cúmplices ou omissos face aqueles crimes.
Quem não tem medo de comprometer sua saúde mental lendo a história destes tristes teratomas, pode ver um artigo bem detalhado aqui.
Os crimes não devem ser esquecidos (daí o nome de “comissões de memória”), mas será mais saudável se as distorcidas personalidades de seus autores fossem desterradas de nossas lembranças. Afinal, é fundamental entender que, enquanto existam corporações armadas e superstições que as alimentem, as atrocidades militares não serão extintas. Como dizia Santo Agostinho, há 16 séculos, “a espada e a cruz são duas faces do mesmo espírito”.
Até que a sociedade vire realmente civil e secular, seja adotada uma ética humanista e seja respeitado o direito natural e o conhecimento objetivo, casos como este voltarão acontecer, e acontecem ainda na África e na Ásia.

Por que Agora?

Em dezembro de 1983, o advogado Raul Alfonsín, líder de uma corrente do antigo partido Radical (aqui, “radical” não quer dizer esquerda; o nome tem origem desconhecida), foi eleito presidente. Ele foi o único que se opôs à guerra das Malvinas, mas não por humanismo, pacifismo nem espírito democrático. Ele sempre disse que pensava que a guerra ia-se perder. (Se tivesse possibilidade de ganhar, teria apoiado.)
Quando subiu ao governo, encontrou quase meio milhão de pessoas que tinham perdido parentes ou amigos durante a repressão, das quais muitas exigiam, com enorme resistência, o julgamento dos carrascos. As Mães de Praça de Maio conseguiram forte apoio internacional, e países como a Suécia pressionaram o novo governo de maneira incansável.
Apesar do excecional da situação, os políticos e as pessoas públicas argentinas jamais se colocaram (nem mesmo como projeto de altíssimo risco), o que o presidente da Costa Rica tinha feito em 1948: dissolver definitivamente as Forças Armadas. Na Argentina teria sido mais difícil, mas qualquer preço é pouco para eliminar uma doença social tão nefasta como o crime legalizado. Os golpistas da Costa Rica não tinham sido vencidos por um inimigo externo, como os da Argentina. A derrota do exército argentino pela Grã Bretanha poderia ter sido aproveitada.
Mas, essa possibilidade não foi sequer cogitada, e a única pessoa que falou nisso quase foi linchada.
Alfonsín e seus assessores (que encontraram uma lucrativa atividade na indústria dos falsos direitos humanos) fizeram todo o possível para tranquilizar os militares. Inclusive, deram a eles a oportunidade de julgar seus membros que tivessem atuado “ilegalmente”, deixando sempre claro que os crimes tinham sido abusos, exageros, e não um plano sistemático de genocídio. Aliás, salvo os grupos de DH, todos diziam que a repressão tinha sido necessária, porém descontrolada. Os militares deram uma gargalhada e mandaram os servis políticos enfiar sua proposta no bolso.
Finalmente, não podendo adiar mais a questão, o governo considerou inocentes os que obedeceram ordens, mesmo que tivessem cometido as maiores atrocidades, e apenas decidiu julgar os principais comandantes. Os magistrados, profundamente identificados com os militares, se recusaram a participar, salvo o Promotor Strassera, que tinha subido durante a ditadura, e pensou que, para salvar a maior parte dos militares, era preferível condenar alguns poucos. Anos depois, Strassera tirou a máscara e acusou de “revanchismo” os que continuavam lutando contra o militarismo. Foi assim que só os chefes militares mais altos e mais comprometidos nos crimes foram condenados, quase todos eles com penas simbólicas, salvo em três casos.
Apesar de tanta bajulação e covardia dos políticos (ou talvez por causa disso), os militares se sublevaram quatro vezes em 1987 e 1988, e todas essas vezes suas demandas foram atendidas servilmente pelo governo, cujo presidente chamou os carrascos de “heróis” das Malvinas. Finalmente, Alfonsín mandou ao Congresso duas leis que são atualmente modelos jurídicos de atos infames: essas leis proibiam a investigação de crimes de estado e justificavam (e, indiretamente, também estimulavam) os que tivessem cometido crimes, mesmo aberrantes, por causa de ter cumprindo ordens. Ou seja, além de enaltecer os crimes atrozes, as leis também premiavam a covardia dos que obedecem por medo.
Passaram 15 anos não apenas de absoluta impunidade para os criminosos militares, mas também de silêncio e de perseguição para suas vítimas. Apenas em 2002, com a crise da corrupta classe política argentina, as coisas mudaram. O peronismo clássico, liderado por Menem, tinha perdido as eleições de 1999 para Fernando de La Rua, uma sórdida figura ao serviço do Opus Dei. Mas, em 2001, a população de Buenos Aires se revoltou pacificamente. Quando 29 pessoas foram assassinadas pela polícia durante as passeatas, De La Rua fugiu, mas o país passou meses de instabilidade até a vitória de Néstor Kirchner. A partir desse momento, foi recomeçada a procura por justiça, e as infames leis do governo Alfonsín foram consideradas inexistentes.

O Ovo da Cobra

Toda a América Hispânica foi colonizada por espanhóis que em 1492 constituíram a monarquia dos Reis Católicos. A Espanha foi o único país que teve uma Inquisição própria, foi a sociedade mais repressora da história, e a mais mística e racista de Ocidente. Esses traços se mantiveram em vigência até 1975, e só lentamente se foram atenuando.
As colônias receberam de legado a cultura sanguinária, militarista, carola e etnofóbica da metrópole, mas, como se isto fosse pouco, incrementadas. Com efeito: os colonizadores eram criminosos violentos, estupradores, torturadores, traficantes de escravos, todos eles protegidos pelo imenso poder das congregações religiosas. Entretanto, na maioria dos povos das Américas, os espanhóis encontraram grande resistência dos índios que, apesar dos massacres de indescritível crueldade,  formavam populações de tal tamanho que seu aniquilamento se tornava impossível... ou quase...
Não foi impossível na Argentina. Aí, as nações autóctones foram aniquiladas de tal maneira que, hoje, os descendentes de índios ou mestiços são aproximadamente 0,8 % da população total. Os afro-argentinos, que ultrapassavam os brancos em 1850, foram enviados a operações suicidas na Guerra do Paraguai e, nas décadas seguintes, “empilhados” em bairros pobres açoitados pela febre amarela. Eles simplesmente desapareceram.
Em 1992, Carlos Menem foi muito criticado na Europa quando, numa conferência bicontinental, proclamou que “A Argentina pode orgulhar-se de ser um país sem negros”. Antes disso, em 1981, a junta genocida manifestou oficialmente que a Argentina era  “o país mais branco do mundo”, e propôs ao Brasil e à África do Sul a formação da Organização do Pacto do Atlântico Sul (OTAS), uma paródia da OTAN, para consolidar “o domínio branco e cristão na região”. O Brasil não aceitou.
Argentina é o último país do planeta que ainda não conseguiu anular o concordato que unifica Estado e Igreja, apesar dos esforços dos últimos dois governos.
O primeiro golpe nazista argentino foi em setembro de 1930, dirigido pelo general Uriburu, mas não conseguiu consolidar um equivalente do Terceiro Reich, como pretendia. O Segundo Golpe militar também de natureza fascista foi em junho de 1942, e o 3º, de estilo misto fascista-conservador, em 1955.
A 4ª ditadura, instalada em 1962, com um civil como presidente marionete, foi tão cruenta que durante vários meses houve falta de luz elétrica em alguns bairros, produzida pelo gasto de energia das máquinas de tortura. A 5ª. ditadura, em 1966, foi liderada pelo General Ongania, que ficou famoso por proferir seus discursos... de joelhos!, como homenagem à padroeira do país.
Mas, a 6ª. ditadura, cujo caminho tinha sido preparado pelo governo mafioso da viúva de Perón (assessorado e treinado por policiais e terroristas italianos, entre eles, o famoso Stefano Delle Chiaie), tinha um plano especial: voltar aos valores e à estrutura da sociedade teocrática hispânica. Este projeto parece delirante, mas é similar ao de Hitler.
Como o Führer, os militares argentinos queriam recuperar todas as terras que, segundo eles, teriam sido argentinas. As ameaças contra Chile em 1978 não terminaram em Guerra, porque o Papa João Paulo II, para quem a ditadura de Pinochet e a argentina eram “filhas de seu coração”, fez um acordo para evita-la. Mas ele não interveio em 1982, quando Argentina invadiu as Ilhas Falkland/Malvinas, pois, afinal, Inglaterra era um país protestante. A derrota militar nessa guerra foi um fenômeno único, cuja história ainda não tem sido escrita com neutralidade.
Salvo os militantes de Direitos Humanos (e não todos eles), o resto do país apoiou a bravata militar. Um fato que comoveu todo Ocidente, e despertou alarma até em governos conservadores, foi que os militares queriam reviver a época de conquistas (ou reconquistas) territoriais, ainda após a experiência do nazismo.
Produzida a derrota, a mesma turba que ovacionou os militares, manifestou todo seu ressentimento contra eles, que deveram, lentamente, deixar o governo. Os políticos, em mais de um 95%, apoiaram a aventura militar e, antes dela, tinham sido cúmplices dos crimes da ditadura, tentando negociar um pedaço da torta que os militares comiam sozinhos junto com os padres e os civis mais íntimos, deixando os partidos políticos (todos eles de direita ou centro direita, incluindo nesta qualificação o PCA) a ver navios.
Mas, os políticos não clandestinos (Peronistas, Radicales, Democrata Cristãos, Conservadores e afins), não queriam beneficiar os amigos e defensores das mais de 30 mil vítimas da ditadura. Por tanto, os políticos não pressionaram. Limitaram-se a negociar com os militares os termos da transferência de poder.

E a Prisão Perpétua?

Os crimes contra a humanidade são especiais: não são políticos, como os delitos que se cometem durante a resistência contra a opressão, mas tampouco são comuns, como assalto, latrocínio ou assassinatos não organizados. O problema é que os especialistas em direito ainda se guiam pelas Pandectas.
Desde Nuremberg, os crimes contra a humanidade são considerados uma categoria especial, que merece critérios especiais para seu julgamento. O direito de defesa, a aplicação de normas claras, e as condenações humanitárias e não vingativas devem ser iguais para quaisquer crimes, inclusos os crimes contra a humanidade, pois estes são princípios do direito natural que, como disse no século 2º o jurista Ulpiano “valem para os homens e para todos os seres vivos”.
Mas os crimes contra a Humanidade não prescrevem, e isso ficou demonstrado no julgamento de ontem na Argentina, acontecido 35 anos após os fatos. O direito humanitário é contrário à prisão perpétua, e erradica-la é fundamental, mas a condenação a prisão perpétua de autores de crimes contra a humanidade não é, como torpemente pretendem os bajuladores das casernas, um ato de vingança.
Por um lado, na Argentina existe prisão perpétua, e até que esta bárbara punição seja abolida, se ela for aplicada a outros crimes (como de fato acontece) e não a crimes contra a Humanidade, ficaria o sentimento de que existem criminosos que são piores que os genocidas militares. Criar essa mentira seria confundir a opinião pública. Deve-se lutar contra a prisão perpétua em geral, mas não pode argumentar-se que, existindo a prisão perpétua, os militares merecem uma pena menor.
Por outro lado, sabemos que esses homens tem uma probabilidade quase zero de se recuperar, pois, nos 26 anos de investigação sobre o caso Argentina, nunca se viu algum militar e policial que estivesse arrependido das torturas e assassinatos cometidos.
Vários deles, em julgamentos anteriores, choraram no tribunal, mas não por motivos nobres. Um velho general, que se movimentava em cadeira de rodas, olhou os juízes e a audiência e disse:
-Eu me arrependo... de não ter podido matar mais, de não ter matado todos vocês. Em vez de 30 mil deveriam ter sido 3 milhões...





MARCELO ROQUE - DESNUDO

HOMENAGEM DE MARCELO ROQUE A ANTONIO POETA PELO LANÇAMENTO NO RIO, DIA 30, DA ANTOLOGIA DE POESIAS II, DA QUAL ELES PARTICIPAM, ASSIM COMO GLÓRIA KREINZ.

TAMBÉM EM UM DOS BLOGS DE MARCELO ROQUE - POETA MARCELO ROQUE
http://abradicusp.blogspot.com/


MARCELO ROQUE - DESNUDO

HOMENAGEM DE MARCELO ROQUE PELO LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA DE POESIA II,NO RIO, DA QUAL PARTICIPAM ELE E GLÓRIA KREINZ, TAMBÉM EM UM DOS BLOGS DO POETA.

http://abradicusp.blogspot.com/



http://abradicusp.blogspot.com/

PARA QUE COMISSÃO DA VERDADE, AFINAL?

Por Celso Lungaretti

Aprovada pelo Senado, a instituição da Comissão Nacional da Verdade será agora sancionada pela presidente Dilma Rousseff, que vai definir os sete conselheiros nas próximas semanas.

Quando me voluntariei para integrá-la, agi exatamente como procedo quando órgãos de imprensa violentam as boas práticas jornalísticas e eu reivindico direito de resposta e/ou de apresentar o  outro lado, sabendo de antemão que, apesar de pertinente, o pedido será ignorado: faço o que é certo, independentemente das chances de êxito. Se outros não cumprirem o seu papel, os problemas de consciência serão deles. Nunca me omito.

Então, como desde 2008 vinha reivindicando algo assim, senti-me responsável pelo êxito da iniciativa -- ainda mais quando tantos companheiros levantavam dúvidas sobre a determinação governamental de ir até o fim na apuração e exposição das atrocidades perpetradas pela ditadura militar (que deverá ser o foco real dos trabalhos, pois nada de gravidade remotamente equiparável aconteceu nos demais períodos que, por exigência direitista, serão também -- inutilmente -- abrangidos).

Segundo a Folha de S. Paulo, as cartas já teriam sido embaralhadas de outra forma:
"Em reunião no mês passado, Dilma concordou com os perfis gerais propostos: um religioso, um político conservador, um artista, dois intelectuais (um moderado e outro de esquerda), um defensor histórico dos direitos humanos e um jurista. Não deve haver militares nem notórios perseguidos políticos".
Não me surpreenderei nem vou ficar pessoalmente decepcionado se a informação for correta. Desde o começo falei em anticandidatura. Sabia muito bem que era quase impossível a política oficial reconhecer a credibilidade que adquiri nas redes sociais, na contramão da indústria cultural, que me mantém em suas listas negras tanto como profissional quanto como personagem do noticiário.

E, mesmo dentre os "notórios perseguidos políticos", há companheiros com mais méritos do que eu, como o incansável Ivan Seixas, que tanto fez para que investigações como a das ossadas do cemitério de Perus (SP) resultassem.

Mas, o critério de excluir algozes e vítimas, como se fossem grandezas equivalentes, seria aberrante e inaceitável, constituindo-se no pior de todos os defeitos até agora apontados na Comissão da Verdade.

Trata-se da mesmíssima equiparação de desiguais que a ditadura impôs quando da anistia de 1979. Só que, daquela vez, tivemos de aceitá-la sob chantagem, já que era o preço da liberdade de companheiros e da volta de exilados..

Se for para nos enfiarem goela adentro um sapo desses em pleno Estado de Direito, para que Comissão da Verdade, afinal?

Repito a ressalva: isto pode ser apenas algo  plantado  pela direita midiática na esperança de que se torne realidade.

Pelo sim, pelo não, lembro à presidente Dilma que o  direito à memória e à verdade  está vindo como uma espécie de prêmio de consolação, depois de nos ter sido negado o direito de ver punidos criminosos da pior espécie: torturadores, assassinos, estupradores, ocultadores de cadáveres.

Então -- e aqui acredito falar por todos os veteranos da resistência -- constituiria uma gravíssima ofensa o Governo democrático brasileiro presumir que seríamos tendenciosos como os que têm esqueletos no armário e tudo vêm fazendo desde 1985 para impedir que a verdade seja totalmente conhecida pelos brasileiros.

1968 É HOJE

Por Celso Lungaretti


Qualquer semelhança...
Tentando "entender os movimentos dos  indignados  americanos e da ocupação de Wall Street", Delfim Netto, no artigo Origem da Crise, alinhou fatos que nos fazem, isto sim, perceber como o capitalismo agoniza (embora não possamos prever quanto tempo durarão seus estertores, nem quais malefícios ainda nos acarretará nesta sua agonia final):
  1. A renda per capita não cresce desde 1996;
  2. A distribuição dessa renda tem piorado há duas décadas;
  3. O nível de desemprego em abril de 2008 era de 4,8% da população economicamente ativa, o que, em parte, compensava aqueles efeitos;
  4. Em janeiro de 2010, o desemprego andava em torno de 10,6% e, desde então, permanece quase igual (9,2%);
  5. O colapso da Bolsa cortou pelo menos 40% da riqueza que os agentes  pensavam  que possuíam;
  6. A combinação da queda da Bolsa com a queda do valor dos imóveis residenciais fez boa parte do patrimônio das famílias evaporar-se;
  7. Ao menos 25% das famílias têm hoje menos da metade que  supunham  ter em 2008.
...não é mera coincidência.
Singelamente, o antigo serviçal de ditadores avalia:
"O grande problema é que a maioria dos cidadãos não entende como isso pode ter acontecido. Sentem que foram assaltados à luz do dia, sob os olhos complacentes das instituições em que confiavam: o poder Executivo e o Banco Central. Assistem confusos o comportamento do Legislativo".
Não chega à conclusão óbvia: os cidadãos foram mesmo assaltados à luz do dia, explorados, espoliados,  depenados, saqueados, esbulhados, manipulados, engambelados, logrados, iludidos -- f..., enfim.

Com sua distorcida visão de mundo, Delfim também passa longe de outra conclusão óbvia: a de que as vítimas do capitalismo estão finalmente começando a despertar de sua letargia, sob os golpes de recessões desnecessárias (sofrendo privações para pagar a conta de situações causadas em grande parte pela ganância desmedida dos bancos, os quais são magnanimamente socorridos pelos governos) e das ameaças que sabem estar sendo incumbadas para a própria sobrevivência de seus filhos e netos.

Não, segundo Delfim são apenas "pequenos grupos mais exaltados tentam reviver, com passeatas festivas de fim de semana, o espírito  revolucionário  de 1968, que deu no que deu".

Prefiro me fiar nos pensadores comprometidos com a felicidade do ser humano, como Karl Marx, para quem a nova onda revolucionária começa sempre no ponto mais alto atingido pela anterior.

É exatamente o que está ocorrendo agora, com grande chance de ser aquela que varrerá o mundo, livrando-nos de uma vez por todas da exploração do homem pelo homem e todas as iniquidades decorrentes.

MARCELO ROQUE E MUITO MAIS


LEIA ABAIXO ARTIGO DE CELSO LUNGARETTI, COMPANHEIRO NOSSO NESSE BLOG, SOBRE DENÚNCIA E FASCISMO NA INTERNET, JÁ QUE O BLOG DE MARCELO ROQUE SOFREU DENÚNCIA INJUSTA, ATÉ AGORA NÃO RESOLVIDA
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

ITÁLIA: LIVRO RECENTE REVELA PRÁTICA DA TORTURA




Itália: Livro Recente Revela Prática da Tortura

Carlos A. Lungarzo
AIUSA 9152711

Tortura e Coação nas Últimas Décadas

Durante a repressão da esquerda dos anos 30 na Itália ( Anos de Chumbo), foi constatado por numerosas organizações e pessoas individuais a aplicação sistemática de tortura contra membros de grupos alternativos, mesmo pacíficos, e ainda contra grupos de luta assimétrica, como as Brigadas Vermelhas.
Já em 1977, Anistia Internacional tinha comprovado a prática de tortura contra 13 militantes dos PAC, um dos quais, Sisinnio Bitti, aparece relatado em seu calvário no excelente livro da época de Laura Rinaldi: Processo all’ Instruttoria. Posteriormente, AI descobriu muitos outros abusos e torturas, não apenas contra “guerrilheiros”, mas contra cidadãos pacifistas, especialmente os membros da seita bíblica Testemunhas de Jeová.
Em 1981, ano de seu 20º aniversário, AI recebeu um pesado presente de seus chefes em Londres: fazer a primeira investigação sobre a tortura num país Europeu. A investigação incluiu o maior team que jamais AI tinha preparado.
Nos anos seguintes, novos livros foram publicados, e centenas de denúncias foram lançadas, numa amostra de coragem singular, pelas próprias organizações italianas de Direitos Humanos. A organização Antígone, que defende os direitos humanos de pessoas sob a custódia do estado (e cujo depoimento dirigido ao Presidente Lula foi absolutamente essencial para que este recusasse a extradição de Cesare Battisti), estudou os casos de tortura física e psicológica, o abandono médico e a indução ao suicídio nas prisões.
A extensão e brutalidade das torturas fizeram com que até o complacente poder judiciário italiano aceitasse algumas denúncias dos prisioneiros, porém, várias delas foram em seguida arquivadas por juízes mais graduados. O juiz instrutor Giuliano Turone, que nestes dias tornou-se popular com um livro contra Cesare Battisti, foi responsável do arquivamento dos processos de tortura contra os PAC.
 Em fim, essas torturas hoje não são um mistério para ninguém. Entretanto, não se tinha ainda um documento baseado em depoimento dos próprios atores. Apesar dos anos passados, o clima de omertà (silêncio cúmplice) se manteve rigorosamente na Itália, enquanto em outros países agentes do estado envolvidos em tortura acabaram, por diversas razões, contando os crimes que tinham conhecido. Apesar desse longo silencio, num novo livro publicado em 2011, se usam os testemunhos de dois atores diferentes: o líder combatente Antonio Savasta, um membro das Brigadas Vermelhas, e o delegado Rino Genova, um dos líderes do principal grupo de tortura.

“Golpe ao Coração” e sua Resenha

Nicola Rao é jornalista e escritor, nascido em Latina em 1962, autor de vários artigos e livros sobre política, cujas simpatias pessoais são consideradas como claramente de direita. Parece pertencer a uma direita moderada que não demoniza os inimigos de esquerda e, portanto, sua obra sobre a luta assimétrica não pode ser considerada parcial. De qualquer maneira, se fosse parcial, não seria, com certeza, em favor da esquerda. Isto dá a sua pesquisa um caráter que não se pode contestar aduzindo, como sempre, desvio ideológico do autor.
O livro reconstrói os últimos meses de existência das Brigadas Vermelhas, após o sequestro de um militar americano, James Dozier, num período em que as forças públicas italianas usam pesadamente a tortura como único meio para encontrar o esconderijo dos sequestradores, entre maio de 1981 e outubro de 1982.
Colpo al Cuore foi editada pela casa Sperling & Kupfer, que pertence ao grupo editor de Silvio Berlusconi, e apareceu no começo de  outubro de 2011, tem 208 pp., e IBSN 978882005126.
Logo de aparecer, o livro foi resenhado por vários jornais e magazines, mas temos escolhido para apresentar ao leitor a resenha escrita por Aldo Cazzullo, colunista do prestigioso jornal Corriere della Sera, que tampouco pode ser qualificado de simpatizante da luta armada.
Em síntese: Um livro escritor por autor de direita, resenhado por um jornal de centro, reproduz as confissões de um guerrilheiro e de um policial, nas quais se reconhece o uso sistemático da tortura na democracia italiana!
Aos alcoviteiros da máfia peninsular sempre ficará um recurso: ambos, autor e resenhistas mentem, como, segundo eles, mentia Anistia Internacional, Antígone, HR Watch, a Comissão de DH da ONU, a Corte Europeia, Oxfam, e todo o mundo que não simpatiza com o fascismo-stalinismo.

Alguns Conceitos Prévios

Para os pouco familiarizados com os crimes de estado nos anos de Chumbo, muitas das menções que aparecem nesta resenha do Corriere podem não ser inteligíveis. Vou esclarecendo alguns conceitos na lista que segue, exatamente na ordem de aparição do texto do jornal.
Os grifos são do próprio jornal.
Em geral, as Brigadas Vermelhas serão indicadas pelas iniciais BR e não “BV” por causa do nome em italiano “Brigate Rosse”.  A sigla BR é mais conhecida inclusive por leitores de outras línguas.
Antonio SAVASTA ¾  Foi o líder da seção do Veneto das BR e um dos organizadores do sequestro do militar americano DOZIER. Transformado em delator, após ferozes torturas, descreveu a organização interna e as conexões externas das BR. Entretanto, nunca tinha falado sobre as torturas, por medo a ser executado. Mas, neste livro de RAO, pela primeira vez, ele revela a existência de tormentos.
James DOZIER ¾  James Lee Dozier (nascido em 1931) era vicecomandante da aliança Atlântica, o organismo intercontinental que incubou o famigerado plano megaterrorista Operação Gladio, cujo objetivo na Itália era produzir megamassacres (com até 85 mortos), para colocar a culpa na esquerda. Dozier foi sequestrado pelas BR em dezembro de 1981. Esta foi a primeira vez na história americana que um militar de alto rango era capturado por um grupo de resistência anti-imperialista. Tanto italianos como americanos ficaram desesperados pelo que parecia uma amostra de capacidade de luta contra a suposta invencibilidade ianque-neofascista. Portanto, os americanos exigiram, e os italianos realizaram, a maior campanha de torturas já vista em algum país Europeu após a Segunda Guerra.
NOCS ¾ Acrônimo de Nucleo Operativo Centrale di Sicurezza, uma esquadra de choque, tortura e extermínio pertencente ao escritório de Anti-Terrorismo do departamento da Polizia di Stato.
Caso Di Lenardo ¾  Cesare Di Lenardo foi membro das BR que participou no sequestro do militar americano. Di Lenardo foi barbaramente torturado no pior estilo das ditaduras latino-americanas, o que contribuiu ao desprestígio dos NOCS.
Céltica ¾ De croce céltica (cruz céltica). Cruz utilizada por algumas seitas cristãs primitivas, e depois adoptada pelo fascismo e, especialmente, por grupos neofascistas após a segunda Guerra para enfatizar sua fraternidade e afinidades com o cristianismo.
Esquadrão Móvel ¾ Esquadrão de ataque da Polícia de estado que se movimenta em viaturas. Foi usado durante os Anos de Chumbo quase exclusivamente contra os movimentos de esquerda.
NAR ¾ Núcleos Armados Revolucionários, organização neofascista com perfil quase exclusivamente terrorista, que atou em vários megaatentados (como o da estação de Bolonha, que matou 85 pessoas e feriu mais de 200). Giorgio Vale foi um dos fundadores e chefes dessa organização. Apesar de que os atentados megaterroristas foram planejados pela OTAN junto com os governos italianos e o neofascismo, o atentado de Bolonha (que aconteceu em dezembro de 1980) cobrou uma quantidade inusitada de vítimas, e recebeu críticas de alguns setores fascistas que tinham perdido parentes no atentado. Além disso, os verdadeiros executores se supõem que foram altos quadros fascistas, que foram “cobertos” com a acusação de outros menores, como Mambro e Fioravanti, que atuaram como “laranjas”. O livro de RAO não se detém sobre isto, mas várias fontes acham que Giorgio Vale foi morto pela polícia como queima de arquivo, aproveitando o massacre contra a esquerda, o que, de passagem, criava um clima de confusão.
Salvatore Genova ¾ Chefe policial que capturou Savasta.
Giovanni Senzani ¾ Um dos líderes das BR, nascido em 1942.
Coronel Varisco ¾ Coronel dos Carabinieri (Polícia Militar) na época do sequestro de Dozier.
Engenheiro Giuseppe Taliercio ¾ Diretor do oligopólio MONTEDISON, executado pelas BR com o argumento de que seria, como muitos outros altos executivos na Itália e também nas ditaduras latino-americanas, financiador da repressão e das torturas. Não conheço provas desta acusação no caso particular de Taliercio.
Asinara ¾  Ilha sarda onde existia um presídio.
Bad’ e Carros ¾  Nome de um presídio na província de Nuoro (Núgoro) na Sardegna. O nome significa, em sardo, “passagem (vau) das carroças”.
Barbagia ¾  Região montanhosa da Sardegna central.
Potere Operaio ¾ Movimento de esquerda alternativo, que floresceu na década de 70, que procurava difundir a cultura mais avançada na classe operaria e se diferenciava dos grupos militaristas, como BR, e dos burocráticos, como o PCI
MSI ¾ Movimento Social Italiano. Nome que adoptou o Partido Nacional Fascista em 1947, após a Constituição proibir (art. trans. 12º) partidos que tiveram o nome ou o símbolo do fascismo. O MSI gerou numerosos grupos fascistas com diversas estratégias.
Mario Zicchieri ¾  Adolescente membro do MSI, morto em 1975 pelas BR em Prenestino, bairro de Roma.
Morucci, Maccari, Seghetti ¾ Militantes das BR, alguns deles tendo passado depois a uma fração armada de Potere Operaio.   
Autonomos ¾ Nome genérico dado à esquerda alternativa, que incluía Lotta Continua, Potere Operaio, Autonomia Operaia e outros grupos.
Ano 1977 romano ¾ Foi um ano de grandes revoltas sociais em Roma, e de apogeu dos movimentos sociais e culturais da esquerda. Também foi o ano em que PCI assumiu explicitamente a repressão em aliança com a direita.
A Resenha do Corriere della Sera

CORRIERE DELLA SERA
10 outubro 2011 - Pagina 27
Os últimos 500 dias do grupo de terroristas contado em “Golpe ao Coração” de Rao. Fala o delator Savasta: “Dozier estava para ser morto”
Aquele Esquadrão Especial contra os Brigadistas
Os chamavam os “Quatro da Ave Maria”. As Revelações de um ex policial.
Na Itália de há 30 anos, na culminação do terrorismo e, ao mesmo tempo, no começo de seu final, um esquadrão de torturadores se movia entre os cárceres. Não os agentes do NOCS, acabados pelo processo do caso Di Lenardo; um esquadrão de profissionais especializado em extrair indicações e confissões. Eles foram os que capturaram Antonio Savasta. Os que encontraram o escondereijo de Dozier. Os que desmantelaram a colônia napolitana. E os que aplicaram aos BR aquele “golpe ao coração” que no decorrer de poucos meses decretou seu final.
Intitula-se exatamente Golpe ao Coração: dos arrependidos aos “métodos especiais”, como o Estado matou as BR. A história nunca contada o ensaio-pesquisa de Nicola Rao que amanhã Sperling & Kupfer entrega nas livrarias. Pela primeira vez, Savasta fala. Também fala o comissário Genova, que o capturou, e fala o misterioso funcionário do UCIGOS (l' Ufficio centrale per le investigazioni generali e per le operazioni Speciali =  O escritório para as investigações gerais e para as operações especiais, um organismo da polícia do Estado que foi operativo dos Anos de Chumbo), indicado pelos seus colegas com o significativo nome de “professor De Tormentis” - que contribuiu de maneira determinante a destruir as BR, praticando um estilo de waterboarding, a tortura do sufocamento com água.
Na estória que a gíria da época batizou com o nome de filme B, o esquadrão era chamado de Os Quatro da Ave Maria, que nos desloca a uma época dramática de nosso passado recente, que o autor indaga com o mesmo método que seu livro de sucesso, dedicado, inversamente, à extrema direita, A Chama e a Céltica. Constituída logo após a morte de Moro, o esquadrão do UCIGOS era composto de ex oficiais do Esquadrão Móvel de Nápoles, que tinham conhecido o “professor De Tormentis”, quando estava na liderança daquele escritório, entre o fim dos anos 60 e o início dos 70. O grupo de ação, mantido durante alguns anos em descanso, foi retornado à atividade quando se fez mais violento o ataque das BR, com o sequestro do General Dozier, e as pressões de Washington sobre a Itália.
Graças aos métodos especiais daquele esquadrão, no desenrolar de poucas semanas foram desmanteladas as duas almas das BR. Preso Senzani, chefe do “Partido Guerrilha”, individualizado e liberado Dozier, prisioneiro do “Partido comunista combatente” (PCC).
Savasta decide falar e destruir, com suas revelações, o PCC, fazendo prender dezenas de “rivais”. Os “métodos especiais” são logo introduzidos também em Nápoles, na primavera-verão de 1982, para capturar os sobreviventes da última coluna BR ainda em atividade. Sempre com estes “tratamentos”, a polícia chega à guarida romana onde se encontra o terrorista dos NAR, o Giorgio Vale, que morre durante o tiroteio com os agentes. O delegado Genova (junto com outros funcionários) explica ter assistido pessoalmente, durante a investigação do sequestro Dozier, a dois “tratamentos” em Verona - o segundo consente em arrancar a indicação da guarida onde está recluído o general americano - e outro tratamento a Nápoles. O “professor De Tormentis” confirma, e conta de ter-se ocupado também de Enrico Triaca, o tipógrafo das BR preso após a morte de Moro, e de dois brigadistas que lhe indicaram onde estava escondido Senzani. Logo está o testemunho di Savasta.
Algumas páginas são, às vezes, terríveis. O arrependido conta como matou o coronel Varisco. E como participou de outras ações: o sequestro e o assassinato do engenheiro Taliercio; a viagem até a Sardenha para liberar o núcleo histórico das BR detido em Asinara e na Bad’ e Carros, com a cumplicidade de bandidos-pastores, a travessia noturna na Barbagia, o tiroteio com os carabineiros e com a polícia.
Com revelações inéditas sobre o sequestro de Dozier, começando pela reação do general no momento da captura, quando com socos e cabeçadas estava neutralizando os dois brigadistas que tinham entrado na casa, e só ficou quieto quando viu Savasta apontar a pistola à cabeça da esposa. Nem sequer a blitz dos NOCS aconteceu na realidade como foi contado: os brigadistas perceberam a chegada dos agentes; um deles, como prevê o protocolo das BR, mira com a pistola a têmpora do refém; depois se produz um átimo de dúvida, não há coragem para ir bem até o fundo, e os homens da divisão especial se arriscam a liberar o general; mas a operação, que passou à história como um exemplo de ação fulminante, esteve perto de transformar-se em derrota.
Savasta conta também as origens do terrorismo. E indica num grupo “proto-brigadista” do ex Potere Operaio, os responsáveis pela morte do jovem militante do MSI Mario Zicchieri em Prenestino. Já Savasta tinha acusado Morucci, Maccari e Seghetti, que tinham sido absolvidos.
Todavia, fornece novos detalhes. Por exemplo, conta que, na tarde do homicídio de Zicchieri, Seghetti ordenou a ele e a outro companheiro ficar na casa e sintonizar a rádio frequência da polícia para verificar as posições e comunicações das forças da ordem. E acrescenta, sem dar o nome, que um dos componentes do grupo armado era um companheiro morto logo depois num acidente de trânsito.
Da discussão interna da coluna romana sobre o perigo representado pelos fascistas da seção Acca Larenzia, de Tuscolano e de Cinecittà, surge o assalto ao comitê do MSI que acabou em tragédia. Savasta conta sobre as armas distribuídas pelas BR aos Autonomos durante as manifestações do ano 1977 romano. E sobre a investigação que conduz sobre Aldo Moro, que inicialmente devia ser morto ao interior da universidade, como depois teria acontecido a Bachelet.
E ainda: o dia-a-dia ao interior da organização, os medos dos brigadistas, o terror das mulheres de serem torturadas e estupradas, as traições, os amores, as antipatias. E sua relação conflitiva com seu pai: um agente de polícia.
Aldo Cazzullo
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